domingo, 8 de março de 2009



O LIVRO E O LAÇO

Gabriel era um homem humilde. Casado, não tinha filhos… mas Gabriel tinha um sonho: Escrever um livro.
Porém como não concluíra nem o primeiro grau, e achava que para ser escritor tinha que ser uma pessoa formada, ia adiando seu sonho, pensando em um dia continuar seus estudos e aí sim, o realizaria..
Um dia Gabriel teve a felicidade de conhecer um escritor, homem culto e que já tinha vários livros editados… numa conversa com o escritor, Gabriel manifestou sua intenção de um dia escrever um livro, porém dizia que como seus estudos eram muito poucos, esperaria mais, pois ainda era jovem e podia muito bem voltar à escola.
O homem o escutou pacientemente e depois lhe disse: - Então o senhor acha que para ser escritor é preciso ser muito estudado? Imagine se todos os doutores e professores fossem escritores a quantidade de livros que teríamos. O senhor nunca pensou nisto? De onde lhe surgiu à idéia de escrever um livro?
- Bem, eu tenho lido muito, tudo o que consigo para ler, gosto muito da leitura, e pensei que poderia escrever alguma coisa, aliás, já escrevi muito, só nunca me animei a mostrar para alguém, ainda tenho conhecimento de que também não custa pouco editar um livro, e eu sendo pobre e sem conhecimentos seria quase impossível minha tarefa. Por isto vou adiando meu sonho até não sei quando…
- É outro ponto importante - disse o escritor - se todas as pessoas com posses pudessem escrever um livro, muitos seriam editados, mas não é assim, e justamente por isto, caso o senhor venha a realizar o seu sonho, é isto que valorizará sua obra, desde que realmente tenha conteúdo é claro. O senhor não que me mostrar algum trabalho seu?
- Quero sim, com muito prazer, e será muito bom para mim ter a opinião de quem realmente entende do assunto, vou lhe trazer algo que escrevi recentemente, e espero sua opinião sincera.
E assim fez, trouxe alguns contos que havia escrito e deixou com o escritor.
Dias depois recebia um recado para comparecer à casa do mesmo. Muito ansioso foi imediatamente.
O que ouviu sobre o seu trabalho o deixou louco de felicidade. O homem foi logo lhe dizendo: - Seu trabalho é muito bom, seu imaginário, excelente, não posso lhe dizer o mesmo da sua escrita, mas isto é algo secundário, mesmo bons escritores precisam de alguém que corrija suas obras. Mas pelo material que tenho comigo, o senhor pode muito bem escrever o seu livro.
Gabriel saiu da casa do escritor parecendo ter ganhado o grande prêmio e começou a escrever seus contos, em poucos meses tinha material suficiente para um livro. Começou a fazer propaganda do seu livro, a maioria dos amigos e conhecidos riam muito depois que ele saía mas ele fora preparado pelo escritor para este tipo de situação e estava, portanto vacinado.
Um ano depois Gabriel lançava seu primeiro livro, com muito sacrifício, com a ajuda do escritor, que preparou tudo para ele sem lhe cobrar nada, só não lhe deu nenhum dinheiro.
Quando Gabriel recebeu da editora os seus 525 livros com 100 páginas cada, não perdeu tempo e saiu às ruas para vender sua obra.
Não foi fácil. Mas vários amigos e conhecidos compraram o livro, e eles mesmos fizeram a propaganda gratuita, pois eram muito bons mesmo os contos de Gabriel.
Em menos de um mês Gabriel vendia sua primeira edição. Com o dinheiro mandou fazer mais 1000 livros, e como da primeira vez saiu à rua a vendê-lo.
Estava Gabriel parado numa movimentada esquina, com alguns livros nas mãos oferecendo aos passantes, já havia vendido alguns e era cedo ainda, quando de repente surgiu na sua frente um gaúcho ainda jovem, carregando vários laços e cordas de couro cru muito bem trabalhadas.
O homem parou a sua frente e perguntou: - Não quer me comprar um laço? eu mesmo os faço, são de primeira, pode ver. - E separando uma das cordas mostrou a Gabriel.
- Não, obrigado amigo. - Respondeu este - Vejo que é coisa boa, mas para mim não teria nenhuma serventia, eu sou escritor, ou melhor, escrevi este livro e também estou vendendo. Como o senhor eu mesmo o fiz, não sei se é de primeira, pois é bem diferente do laço, depende do ponto de vista de quem o ler. E o senhor não quer me comprar um livro?
- Não, obrigado amigo, seu livro não me teria nenhuma serventia também. Não quero dizer que ele não seja de primeira, é que sou analfabeto, portanto ele seria para mim, o que o laço é para o senhor, isto é o senhor não sabe usar e nem precisa do meu laço e o seu livro também não me serve para nada.
Gabriel pensou rápido sobre a resposta do homem e disse: - Talvez não seja assim, o que o senhor acha de fazermos uma troca, eu fico com um laço e lhe dou um livro em troca, quem sabe não possamos mudar as coisas e no futuro possamos nos encontrar com idéias bem diferentes a respeito do laço e do livro?
O homem o olhou espantado com a proposta, coçou a cabeça e de repente disse: - Topo, escolha o laço, e me dê o livro. Meu nome é Albano Lanski e o seu?
- Gabriel Romano disse o escritor, lhe dando um livro.
- Bem lhe desejo boa sorte nas vendas e até um dia! - disse o homem dos laços se afastando.
Gabriel pegou o laço, colocou sobre a caixa de papelão onde se encontravam seus livros, e voltou à sua tarefa interrompida. Quando chegou em casa, sua esposa estranhou o artefato que trazia, e Gabriel lhe contou o estranho dialogo assim como a troca que havia feito. Sua esposa riu muito e fez algumas comparações do tipo:
- Imaginem um analfabeto sentado em uma cadeira olhando para o seu livro. Enquanto isto você aqui no quintal tentando laçar algo com isto ai!!
Gabriel não lhe deu muita atenção e guardou bem guardado seu laço.
Cinco anos depois uma grande editora lançava o quinto livro de Gabriel Romano. Este agora não precisava mais vender suas obras pelas calçadas, era um escritor conhecido e famoso, sua vida mudara completamente, exceto numa coisa, Gabriel continuava a pessoa simples que sempre fora, agora tinha dinheiro, fama, aumentara muito o número de amigos e admiradores, mas isto não mudara em nada seu caráter.
Gabriel sentiu a necessidade de um lugar sossegado onde pudesse escrever, descobriu uma fazenda muito bonita nas proximidades da sua cidade e a comprou. Montou tudo ao seu gosto e passava dias, semanas e até meses ali escrevendo.
Criava gado de leite. Aprendeu a montar e às vezes saia pela fazenda em seu cavalo em busca de inspiração, e para espanto dos peões fazia questão de levar sempre consigo aquele laço, pois todos sabiam que se tentasse manejá-lo, o máximo que conseguiria seria laçar a si mesmo. Mas já sabiam, quando o patrão mandava preparar seu cavalo, não podia faltar o laço pendurado na sela.
Na verdade ele nunca esquecera o homem com quem fizera a tal troca, não lembrava mais as suas feições, já se passara muito tempo, mas sempre pensava nele.
Um belo sábado, Gabriel pediu seu cavalo para mais um dos rotineiros passeios pelo campo e bosques da fazenda, foi prontamente atendido. Montou e saiu, passeava pensativo pela margem do rio Uruguai que fazia divisa com sua fazenda, quando de repente ouviu gritos de desespero e barulho na água. Tocou o cavalo e chegando a margem do rio, viu que um casal se afogava, um tanto longe da margem. Desesperado se lembrou que não sabia nadar, viu os jovens agarrados um ao outro e morreriam em minutos caso não tomasse uma atitude rápida.
Gabriel lembrou-se que o cavalo é bom nadador, entrou com o animal no rio, para seu desespero viu que não chegaria até os jovens a tempo, pois estes iriam afundar logo e não retornariam mais. Lembrou-se do laço e imediatamente desenrolou a longa corda e a atirou em direção ao casal.
Para sua total felicidade a corda caiu muito próxima e o jovem a segurou, Gabriel então tocou o cavalo em direção à margem do rio com o coração aos pulos, sentia o peso na corda. Conseguiu salvar os jovens graças àquele laço de que dissera para o homem que tentava lho vender, que não teria nenhuma serventia.
Assim que os jovens se viram livres da morte certa, começaram a se arrastar para fora d 'água, Gabriel pulou do cavalo e foi socorrê-los. Por sorte não haviam bebido muita água.
Gabriel os colocou sobre o cavalo, levando-os para sua fazenda imediatamente, ali foram socorridos e em pouco tempo podiam abraçar, chorando, seu salvador.
Eram filhos de fazendeiros vizinhos, Gabriel foi tratado como herói e tempos depois aqueles jovens se casavam, Gabriel não pôde recusar ser o padrinho do primeiro filho do casal, era uma linda menina, e as famílias se tornaram muito amigas.
Depois disso, Gabriel já não usava aquele laço quando saía em seus passeios, usava outro. Para aquele, ele mandou fazer uma caixa de madeira toda trabalhada, forrada com o mais fino veludo, e ali depositou o seu laço, que ficava em sua sala de troféus.
Gabriel resolveu escrever a história daquele laço, interrompeu outros assuntos e começou a escrever. Escreveu e editou um livro, muitos não entendiam muito bem o título, mas como o autor já era demais conhecido, este foi mais um sucesso.
17 anos após o estranho diálogo entre o escritor e o vendedor de laços, Gabriel havia chegado de uma viagem à Europa e se refugiara em sua fazenda para descansar. Um belo dia, parou em frente a sua fazenda um belo carro, dele desceu um senhor muito bem vestido, e pediu para falar com o dono da casa. Gabriel foi informado e mandou que o visitante entrasse..
- Espero não incomodá-lo, - disse o homem à guisa de saudação - Estive em sua casa na cidade e fui informado que poderia encontra-lo aqui. Como sei que chegou de uma longa viagem procurarei ser muito breve. Meu nome é… (e disse seu nome), sou um escritor em minha primeira viagem, e tenho muitos motivos para querer conversar com o senhor.
Gabriel pensou: claro quer saber a minha opinião sobre o seu trabalho, tomara que seja bom, lembrou-se de quando fora procurar o escritor para lhe falar do seu sonho.
- Sente-se meu amigo, fique a vontade, bebe alguma coisa?
- Não, obrigado, é muito cedo para mim.
- Bem, então estou a sua disposição.
- Amigo, não sei se lembra de mim, certa vez fizemos uma troca, um laço meu por um livro do senhor.
- Claro que lembro, aliás, escrevi um livro sobre o assunto, vou lhe dar um exemplar.
- Claro que aceito, disse o outro, apesar de já ter o livro, e foi justamente por causa dele que vim lhe procurar, acontece que eu também escrevi um livro, e é ai que está a confusão..
Gabriel não entendia nada, mas deixou-o continuar. - Continue, por favor - disse ele.
- O senhor pode estranhar o que vou lhe pedir, quero que dê um título para o meu livro, pois depois que eu o escrevi, vi para meu espanto que o senhor tinha escrito um livro quase com o mesmo título do meu. E abriu uma pasta retirando dali um livro que passou para as mãos de Gabriel, este olhou o nome do livro e ficou pálido: “O LAÇO E O LIVRO” o seu livro tinha como título “O LIVRO E O LAÇO”.
- Mas o senhor me disse ser analfabeto lembra? então não era verdade?
- Pura verdade senhor, o senhor ainda lembra do que me disse na época?
- Claro - respondeu Gabriel – Disse que poderíamos tentar inverter a situação…
- Pois bem: dias depois que troquei o laço pelo livro com o senhor, pedi a uma sobrinha que lesse o tal livro para mim, fiquei encantado com as histórias, e principalmente quando ela me disse que tudo aquilo era fruto da sua imaginação, tudo criado pelo senhor. Fiz com que ela lesse várias vezes o livro para mim, e pouco tempo depois eu entrava numa escola, fiz de tudo e aprendi, não foi fácil, mas valeu e escrevi esta história. Gostaria que o senhor a lesse e desse sua opinião. Tomei o maior susto quando encontrei na livraria seu livro “O livro e o Laço” eu já havia dado o nome ao meu, não sabia o que fazer, por isto vim procura-lo.
Gabriel, com os olhos marejados de lágrimas disse: - Não precisa mudar nada amigo, não é o mesmo nome, pode ser a mesma história contada em outra versão. Vou ler seu livro agora mesmo, se não tem pressa, gostaria que me fizesse companhia, também tenho algo para lhe mostrar.
E convidou o homem a ir a sua sala. Ali abriu a caixa e quando o outro viu o que havia lá dentro foi sua vez de se emocionar.
- E tem mais! após ler o seu livro, vou levá-lo a uma certa casa e o senhor conhecerá mais uma importante parte dessa história.
Gabriel leu o livro, muito emocionado ao final disse: - Fantástico amigo, fantástico, linda sua história, aqui o senhor mostra o poder que tem um simples livro, e logo eu vou lhe mostrar o que causou por aqui o seu laço, e que uma conversa e uma troca aparentemente sem nenhum fundamento, pois não é nada comum um escritor trocar um livro por um laço. Principalmente para alguém que nem sabe ler.
Almoçaram juntos e depois foram à casa dos compadres de Gabriel, que moravam numa fazenda não muito longe dali. Albano foi apresentado ao casal e logo ficou conhecendo a pequena Jéssica, uma linda menina moça. Gabriel disse então a Albano:
- Se não fosse a nossa maluca troca, talvez nenhuma dessas pessoas estivessem aqui agora - e lhe contou tudo. Depois contaram a história da troca para a moça, que também ficou muito emocionada.
O livro de Albano foi um sucesso, e este hoje é também um escritor renomado. Existe hoje na cidade onde moram uma editora que edita trabalhos de escritores que não têm condições de faze-lo, é a “Editora Laços de Sociedade entre Gabriel e Romano”.