sábado, 17 de janeiro de 2009






O JOGO DA VIDA
J. Norinaldo


Daniele nasceu em berço de ouro, filha de uma abastada e respeitada família do Rio Grande do Sul.
Seu pai, cujo nome era Paulo Márcio Zennder, empresário e fazendeiro, homem muito correto, principalmente no que concerne a família, sempre fora um exemplo, pois não bebia; fumava cachimbo, o que lhe dava um ar imponente. Casara-se cedo, com dezenove anos, com dona Alice, mulher bela, e também de ótima família. Tiveram quatro filhos que eram o maior orgulho dos pais: três meninos e uma menina. Esta era admirada desde muito cedo pela sua beleza.
Daniele herdara a beleza dos pais somada a de algum ancestral. Era loira e de lindos olhos verdes. Ela fora a mais mimada por todos, pois, além de caçula era a única filha do casal. Os pais, assim como todos os parentes tinham verdadeira adoração pela menina que crescia, e ficava cada vez mais bela, dona de um corpo escultural.
Esta bela moça tinha tudo que um ser humano precisa para ser feliz: uma linda família, dinheiro e muito amor. Mas, tudo isto não foi suficiente, pois quando completou catorze anos, seus familiares começaram a notar que algo não ia bem com ela. Daniele começou a demonstrar uma irritação constante; qualquer coisa era motivo para ela sair aos gritos.
Os pais conversavam muito com Daniele, mas não conseguiam atinar com a raiz do problema que afligia sua querida filhinha; decidiram levá-la a um analista. Foi aí que Daniele virou fera.
_Ah! Então pensam que sou louca? Não vou mesmo, nem pensar!
Foi então que perceberam que o problema era enorme, pois Daniele também estava mal nos estudos quando foram procurados pelos mestres da moça. Tomaram o maior
susto, inclusive com o número de faltas dela à escola.
Apavorado, Paulo procurou um psiquiatra, amigo seu, lhe relatando o que estava acontecendo com sua filha. Seu amigo baixou a cabeça após ouvir tudo, depois olhou para o amigo coçando o queixo, e disse:
_Deus queira que eu esteja errado, amigo! Mas, pelo que acaba de me dizer, só me leva a pensar numa coisa, e isto é tão grave e triste que jamais gostaria de ter que lhe dizer. Notou que Paulo ficara pálido.
_Como assim? Vamos, diga! Em que está pensando? Estou preparado para ouvir.
_Como disse antes, amigo, Deus queira que me engane, mas tudo leva a crer que seja droga.
Aquilo soou como uma sentença de morte aos ouvidos do homem Este agora muito mais pálido, gaguejou:
_Não pode ser, por Deus, não pode ser isto! Pode ser qualquer outra coisa, mas isto não! Ela nunca teve motivos para isto, você nos conhece muito bem, pode ser testemunha, não, não e não. Isto eu não aceito, e seus olhos já estavam cheios de lágrimas.
Dr. Martins também balançava a cabeça tristemente quando disse:
_Calma, amigo, não estou lhe dando certeza de nada, tenha calma!
_ E como vou tirar esta terrível dúvida do meu coração, agora que a plantou aqui? E bateu forte contra o peito.
_Amigo, descobrir é fácil, nisto eu posso ajudá-lo, porém descobrir nem sempre é a solução, mas conte comigo para o que for preciso. Sabe que pode contar comigo. Conversaram mais um bom tempo, mas quando Paulo saiu da casa do amigo não conseguia coordenar as idéias; sua cabeça era um verdadeiro turbilhão. Que faria? Conversaria com Dani, ou esperaria pra ter certeza, certeza essa que jamais queria ter?
Chegou em casa já era noite. Chovia. Sua filha não estava em casa. Dona Alice notou que seu marido não estava bem, e quis saber o que estava acontecendo. Foram para o quarto, e Paulo lhe reportou a conversa que tivera com o amigo. Dona Alice levando a mão à boca num gesto de desespero, começou a chorar dizendo:
_ Meu Deus! Não deixai que minhas suspeitas se confirmem. Lhe imploro, Meu Pai ! Não, minha filhinha, não! E se atirou sobre o marido aos prantos.
Também chorando, Paulo disse:
_Calma, querida! Ainda não temos certeza de nada. Deus é bom, não vai deixar que esta maldição entre em nossa casa. Porém, já não tinha mais tanta certeza.
Duas horas depois chegava Daniele. Quando a porta se abriu e o pai viu a filha entrar, seu coração disparou como se tivesse tomado o maior susto; ela se vestia de preto, se vestia mal, ele nunca notara, sempre achara que aquilo era a moda dos jovens. Agora via que não, sua filha parecia um lixo.
Ela entrou, cumprimentou os pais com um oi, e subiu correndo para o seu quarto. Se no meio da escada tivesse olhado para trás, teria visto seu pai levar as mãos à cabeça e uma pequena poça se formar no tapete, nunca se vira aquele homem chorando daquela maneira.
Não foi preciso muito esforço para se ter a pior das notícias até então na vida daquela família acostumada a felicidade. Um dia, Daniele não estando em casa, dona Alice foi ao seu quarto, e no armário do banheiro encontrou um pequeno pacote. Ainda pensou em colocá-lo no vaso e dar descarga, não queria ver aquilo, mas abriu e constatou um pó branco. Terrível descoberta, suas pernas se dobraram, e ela caiu de joelhos começando a bater com a cabeça no assoalho .Depois de um certo tempo ligou para o marido e este veio correndo quando ela então lhe mostrou a triste descoberta. Aquele homem que sempre fora considerado como uma forte pilastra do mais puro mármore desabou, parecia muito mais velho; os dois abraçados chorando como crianças chamaram a atenção dos criados que apavorados ligaram para os filhos. Estes vieram imediatamente, e não entendiam aquela cena, principalmente porque perguntavam e ninguém lhes dava uma resposta. Quando por fim tiveram a resposta quase caíram todos ao chão.
_Não é possível diziam quase num triste coro. Temos que agir imediatamente. Talvez esteja só começando, vamos ser práticos, chorar não vai levar a nada_ disse o mais velho, que como o pai também se chamava Paulo.
Nesta noite, Daniele teve sua primeira conversa com a família a respeito de drogas. Foi uma conferência muito triste. Ela jurou que experimentara há pouco tempo, que não era viciada, prometeu não voltar a usar vendo todos ali chorando, pareceu se compadecer da dor da família que amava e muito.
Rafael, seu irmão mais jovem, não se convenceu muito, e resolveu investigar a vida da irmã. Descobriu que ela já estava na vida há muito tempo e suas amizades eram péssimas, quase ninguém do círculo de amizade da família, coisa que também ninguém nunca notara.
Depois dessa descoberta a vida da família virou um verdadeiro inferno. A moça se vendo constrangida, sabendo que já não acreditavam nela, tornou-se mais revoltada e pouco aparecia em casa. Os pais começaram a sentir o chão lhe fugir dos pés quando tiveram em sua porta, traficantes cobrando dívidas da filha.
O irmão mais velho, o único casado, tinha uma filhinha com quatro anos. A criança adorava Daniele, e começou a sentir a falta da moça que não a visitava mais. Daniele já não era tão bela, tinha enormes olheiras roxas, cada vez mais se vestia pior. Sempre de negro.
Este sofrimento ainda duraria três anos; os pais da moça pareciam muito mais velhos agora, seus irmãos eram pessoas tristes.
Um belo dia, Daniele andava pelas ruas sem rumo, quando notou um homem muito velho que cuidava de uma plantação de morangos. Tinha uma parte do rosto tapado com uma espécie de máscara, ela parou ,e ficou olhando para o homem. Este assim que a viu lhe dirigiu um sorriso, em sua face aparecia apenas um olho e ela fez uma careta. O que teria acontecido àquele homem que escondia a metade do rosto?_ pensou.
_Olá mocinha, gosta de morangos? São os melhores, sem veneno, uma doçura, venha! Vou colher alguns para você! Mas a moça não tirava os olhos do rosto do homem.
_Que houve com o seu rosto_ perguntou ela.
Mais um sorriso, agora triste, o homem levou a mão ao tampão e disse:
_Filha, isto é um câncer que está me levando aos poucos, não reclamo, já vivi muito, mas me dói muito, principalmente porque nunca tive vícios. Falava com certa dificuldade, se encostara ao cabo da velha enxada e olhava com carinho para ela. Tenho oitenta e sete anos, filha, já vivi o bastante.
_Mas, se sabe que está morrendo porque continua trabalhando? Não vale a pena, porque não vai descansar?
_Para mostrar a Deus que dou muito valor à vida que ele me deu. Quero usufruir dela até quando não der mais, filha. É assim que demonstramos nosso agradecimento a Ele pela dádiva da vida. Continuo trabalhando porque sei que garotas bonitas e saudáveis como você comerão os morangos que eu plantei e se lembrarão de mim com carinho, entende?
Pela primeira vez uma conversa calou fundo na mente daquela moça. Ela não segurou as lágrimas e disse:
_Eu não sou saudável, nem bonita. Eu uso drogas! Estou matando minha família, pois eu já estou morta. Ajude-me, pelo amor de Deus! O senhor pode e sabe como. O senhor, um homem velho e com câncer, sabe que não demorará a morrer está aí a cuidar dos seus morangos, enquanto eu que tive tudo que alguém sonha ter, destruí a minha vida. Deixe que eu morra em seu lugar, fique aqui e cuidando dos seus morangos. O senhor merece mais do eu.
O homem a olhou com muita tristeza e abriu os magros braços para recebê-la. Daniele dera muita sorte em passar por ali. Gedeão levou a moça pra dentro de sua humilde casa e ali conversaram durante muito tempo. Ele preparou uma refeição muito simples, arroz feijão e ovos fritos, ela que quase nunca sentia fome, comeu com o prato no colo enquanto ouvia as palavras de Gedeão.
E o tempo foi passando. Como já era noite, o velho preparou uma cama muito simples, porém tudo muito limpo. E a moça deitou-se. Fazia horas que não se drogava, não conseguiria dormir, pensou, mas não queria decepcionar aquele bom homem.
Deitou-se e ouviu o velho lhe dizer:
_Durma com Deus, minha filha! Amanhã conversaremos mais.
Daniele ao contrário do que previa dormiu logo, um sono pesado, o velho ficou ali do seu lado, só tempos depois dormiu pensando na bela jovem.
Daniele teve um sonho, ou delírio, que mudaria totalmente a sua vida.
De repente estava ela em uma espécie de programa de televisão, só que bem diferente: havia duas platéias, uma de pessoas bonitas, jovens e adultos bem vestidos, pele linda. Do outro lado gente jovem e feia, com horríveis olheiras, todos vestidos de preto, alguns sujos e rasgados.
De repente apareceu o apresentador.
_Senhoras e senhores, vai começar o jogo. Hoje temos aqui, Daniele Zennder, que irá defender sua família do forno. Se conseguir responder certo às perguntas formuladas eles estarão salvos, caso contrário, irão para ... E a platéia de negro gritava:
_Fogo! Fogo! Daniele não entendia nada. Repentinamente, apareceu diante dos seus olhos um enorme painel luminoso cheio de números.
Do outro lado uma estranha plataforma, estreita e logo abaixo, um caldeirão enorme com lavas incandescentes, ela sentiu o calor. Olhou mais uma vez para o painel, o que significava tudo aquilo? Quando olhou novamente para a plataforma, viu todos os seus parentes, dentro de gaiolas. Todos enfileirados à beira do caldeirão. Um calafrio lhe percorreu todo o corpo. Pela primeira vez lembrou-se de Deus.
Tomou um susto quando ouviu a possante voz do apresentador do estranho programa:
_Vamos começar, você sabe como funciona, terá que ir eliminando os números da morte do painel, cada número eliminado corretamente, um deles sairá dali, cada número errado e a gaiola é empurrada para o fogo.
Daniele ainda quis contestar, não quisera participar daquele programa, quem colocara seu nome nele? Não teve tempo, pois ouviu:
_Primeiro número eliminado, a luz ficará verde, assim que mudar para vermelho você deve dizer o número bem alto. Há tempo, porém caso não faça isto, assim que a luz apagar, a pessoa correspondente ao número, desce.
E a platéia de negro vibrou.
Daniele suava muito, não tinha nem idéia de que número eliminar, não entendia nada, estava perplexa diante daquela situação. Seu coração parecia querer sair do peito, de tanto
remorso por não saber como livrar sua família daquela situação terrível. Olhou para as gaiolas e percebeu pelos rostos de todos, aflição, mas também notava um pouco de esperança. Viu sua sobrinha que inocentemente brincava e sorria para ela. Daniele se conscientizou que não havia alternativa: tentaria salvar sua família, nem que para isto tivesse que morrer.
_ Pronto, luz verde!_disse o homem.
A moça por mais que se esforçasse não sabia o que fazer, que números dizer, não tinha nem idéia. Pediu ajuda de Deus. Foi então que viu na platéia alguém que encheu seu coração de esperanças. Era Gedeão, bem vestido, muito sorridente, lhe fazendo com o dedo o sinal de positivo; então, ele tinha esperanças nela, sentiu-se alegre de repente, depois ele lhe fez outro sinal apontando para a platéia de olheiras e mal vestida.
_Meu Deus, entendi, e gritou: número quatro.
_Tem certeza ? _ perguntou o apresentador.
_ Sim, tenho.
E fez-se um pesado silêncio.
O número quatro foi apagado do painel. Todos se voltaram para a plataforma e a criança já não estava mais lá; toda família vibrava dentro das gaiolas, mesmo não sabendo de sua sorte. A platéia feia vaiou e Dani teve certeza que estava no caminho certo.
_ Obrigada, Meu Deus! Mesmo não merecendo, não me abandonou.
A luz verde apareceu.
_Próximo número! _ gritou o homem.
Assim que a luz vermelha apareceu, ela gritou :
_ Número 17!
_ Tem certeza? Posso mandar apagar?
_ Sim, tenho fé em Deus.
O número foi apagado e a mãe de Dani sumiu da plataforma.
Agora ela sabia que salvaria todos.
Olhou novamente para agradecer a Gedeão. Ele lhe deu mais um sorriso e o sinal de positivo.
Os números foram sendo eliminados um a um: 17, 14 , 7, 1 e, por fim, o número 18.
Todos certos. Os parentes de Dani estavam livres. Ela conseguira. Graças a Deus e ao amigo Gedeão.
O apresentador fez mais uma pergunta:
_Vai parar agora? Dani olhou novamente para o amigo e este lhe fez o sinal de sim. Ela sorriu e disse bem alto:
_Vou parar.
_Tem certeza disso? Pois devo avisá- la que até hoje ninguém passou pela segunda chance, você tem que ter certeza que quer parar.
_ Tenho certeza que vou parar, juro por Deus!– disse ela feliz.
_ Consegui, graças a Deus. Obrigada, Senhor!
Pulou da cama, e viu o velho que a olhava assustado com seu único olho. Ela correu para ele abraçando-o carinhosamente.
_ Obrigada, Gedeão! Você ajudou-me a me salvar e a salvar minha família. E se lembrou perfeitamente dos números que eliminara. Pensaram muito e procuraram no alfabeto.
Descobriram o que significavam. Para Dani não precisava mais nada. Só Deus poderia ter lhe dado aquela chance, não a desperdiçaria. Como avisara o apresentador do programa, a segunda chance poderia não existir.
E contou o seu sonho para o velho. Quando terminou amanhecia um lindo dia. Dani se espantou, pois há muito não via beleza em nada. Tomou café com o velho e se despediu prometendo voltar em breve.
Procurou seus pais, que diferentemente das outras vezes quando a filha aparecia só lhes causava tristeza, dessa vez notaram algo diferente. Depois que a moça lhes contou tudo foi a maior felicidade do mundo para todos.
No outro dia foram à casa de Gedeão. A moça com muita tristeza lembrou que ele não estava no jogo, portanto não poderia salvá- lo. Gedeão morreu 11 meses depois, feliz porque levava consigo a certeza que tivera participação muito direta na salvação daquela moça. E que jamais o esqueceriam e seus morangos. E assim foi, pois Daniele nunca mais usou drogas.
E, em um pequeno sítio da periferia da cidade levava muitas mudas de morango que cuidava pessoalmente. Para ali eram encaminhadas jovens que queriam se livrar do vício
terrível. Ouviam a história do velho Gedeão e da moça e ficavam muito emocionados.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009



VULCANO
J. Norinaldo.


Encontrava-me numa estrada desconhecida.
Minhas botas afundavam na lama… o único som audível eram meus passos.
Sentia frio nos pés, apesar das pesadas roupas que usava. O frio parecia penetrar-me até os ossos… Mas prosseguia!
Não sabia onde estava, só sabia que devia continuar andando, não tinha idéia de onde vinha e nem para onde ia.
Na verdade não sabia nem quem era…
À direita havia um rio, não muito largo. Uma densa camada de névoa cobria-o, dando-lhe um ar fantasmagórico.
À esquerda, um verdadeiro paredão de pedras muito húmidas e cobertas de limo. Continuei caminhando.
Em dado momento, a manta que trazia ao pescoço, caiu para frente, peguei numa ponta e a joguei para trás, de modo a que me protegesse do frio intenso que fazia.
Era uma espécie de cachecol muito grosso, feito com lã crua.
Prossegui meu caminho, já não me desviava sequer das poças de lama, era totalmente impossível fazê-lo… sentia os pés gelarem.
Avistei primeiro uma ponte, com dois arcos, que me pareceram à distância serem de pedra, pensei que a cidade não estaria longe. E não estava realmente.
Em pouco tempo, encontrei uma curva na estrada e entrei na aldeia. Já era noite fechada, assim, perambulei por ruas estreitas e escuras, ali não havia lama, as ruas eram calçadas de pedras, como de pedra também eram as construções.
Vi luzes e ouvi muitas vozes em uma espécie de taberna e para lá me dirigi. Entrei e qual não foi minha surpresa quando todos que ali estavam se viraram à minha entrada.
Alguém, um homem muito alto e forte, que usava um estranho chapéu, dirigiu-se a mim, gritando: - Mas vejam só quem está de volta!!
O seu sotaque, assim como sua voz lembravam o ator Paulo Goulart, quando interpreta italianos nas novelas, até o jeito de falar era igual. O nosso Giuseppe tinha voz de tenor.
Veio até mim de braços abertos, foi um longo e emocionado abraço, pelo menos da parte dele…. Eu nada entendia.
Sem dizer uma palavra, assustado e totalmente perdido, pois como disse antes não sabia que lugar era aquele, e nem mesmo quem eu era, vi todos se aproximarem e tentarem me abraçar ao mesmo tempo, enquanto uma alegria que me parecia sincera brotava daqueles olhares.
Atônito eu nada dizia, foi quando o mesmo homem que começara a falar, disse com sua voz de trovão:
-Gente, o que estamos esperando? alguém vá correndo buscar o Victorio agora mesmo! E você homem! - disse virando-se para o taberneiro- Sirva imediatamente vinho ao nosso Giuseppe, pois com o frio que faz lá fora deve estar enregelado.
O homem, este gordo e muito vermelho, apressou-se em cumprir a ordem. Logo me era entregue uma enorme caneca de barro cheia de vinho, serviu a todos e fizemos um brinde, eu sequei a minha caneca e todos fizeram o mesmo.
O vinho era muito bom, senti um calor reconfortante, o frio desaparecera como por encanto.
Pela forma como me tratavam, eu era aparentemente, uma figura muito querida e respeitada por todos.
De repente o mesmo homem que me recepcionara com tanto calor disse: - Paola já sabe da tua volta? Dirigia-se a mim.
Neguei, balançando a cabeça, o que queria dizer mesmo é que não sabia quem era Paola.
-Porca miséria!! - disse parecendo bravo agora. - Você vá correndo avisá-la, traga-a para cá, para também comemorar sua chegada. Vamos homem o que está esperando?
Mais uma caneca de vinho veio parar em minhas mãos, não me fiz de rogado e a emborquei novamente. Tudo aquilo era muito confuso para mim, mas agora depois do vinho eu já não sentia mais medo. Afinal era bem tratado, isto já era algo muito bom. Mas quem seria Paola?
Outros homens entravam na taberna, agora um trazia uma estranha acordeona, estranha pelo menos para mim, era muito pequena, ele usava uma boina também bastante estranha. Era Victório.
Assim que entrou, veio diretamente para mim de braços abertos. Agora eu sabia que estava na Itália. Em seguida começou a tocar seu instrumento, a alegria era contagiante.
Não demorou muito e adentrou a taberna uma bela mulher, mesmo vestida com pesadas roupas de lã, notava-se a beleza do seu corpo. Trazia duas meninas pelas mãos. Assim que me viu, correu e se atirou em meus braços, não tive tempo de perguntar nada, abracei a mulher carinhosamente, não conseguia atinar com nada do que estava me acontecendo.
Depois de um longo e apertado abraço ela disse: - Beijem o papai filhinhas. Ele voltou, Graças a Deus!
Após abraçar e beijar as meninas que também eram lindas ouvi da mulher: - Querido. Vulcano não morreu. Apareceu em casa dois depois, louco de fome. Está lá fora. Vá vê-lo.
Saí, como um verdadeiro robô, para ver Vulcano. Quem seria Vulcano? Ao chegar a porta, um enorme cão negro pulou sobre mim, me lambendo e fazendo uma grande festa.
Aí lembrei de tudo: Me atirara no rio para salvar o meu cão numa noite de tempestade. Lembrei-me das meninas, Carmela e Giovana, minha mulher Paola e aquele homem com voz de tenor era meu sogro. Meu Deus então não morrera!!!
Voltamos ao salão e pedi outra caneca de vinho, agora estava feliz, queria falar, mas ninguém me ouvia, falavam todos ao mesmo tempo gesticulando muito. Peguei a caneca e virei de uma só vez. Quando olhei para as pessoas, comecei ver tudo girando, suas vozes pareciam uma radiola que perde a rotação, de repente vi aquelas pessoas se movendo em câmara lenta, e depois parecia que se desmanchavam.
Fiquei apavorado, pensei que fosse o efeito do vinho em demasia. Fechei os olhos na esperança que aquilo passasse logo. Fiz um tremendo esforço e novamente abri os olhos, foi aí que vi tudo claramente: Eu estava numa cama de hospital, ouvi uma voz feminina dizer: - Doutor!! Doutor!! Ele está voltando, veja!!! Abriu os olhos!
Vi um médico jovem ao meu lado, falavam a minha língua, ouvi-o dizer: - Graças a Deus voltou, chamem o doutor Martins.
Horas depois recebia a visita da minha esposa. Feliz, sorridente, linda.
Como lhe falar de Paola, Carmela e Giovana?? Eu saíra do coma provocado por um desastre de automóvel. Mas o que significava tudo aquilo?
Tempos depois, com o auxilio de um grande artista, que desenhou a aldeia, as roupas que descrevi, o recipiente de vinho e até o instrumento do Victorio, um grande pesquisador italiano me dizia:
- Pelo que temos, Giuseppe viveu no norte da Itália entre 1340 e 1370. Tentou salvar seu cão, este voltou são e salvo, mas nosso herói veio parar no Brasil quase oitocentos anos depois….

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009


FAÇAM SEUS JOGOS SENHORES.
J. Norinaldo

Jamais esqueci aquela noite, aquele homem, aquele jogo. Seis homens que mal se conheciam do cassino, sentados em volta de uma mesa redonda, forrada com um pano verde tendo no centro o brasão do cassino. Feições fechadas, não se movia um músculo daqueles rostos sisudos. Eu ganhara uma boa bolada noites atrás, agora não estava ganhando, também não perdia muito. Comecei a observar um dos jogadores, mesmo tentando disfarçar, parecia aflito, seu olhar refletia desespero. Arriscou duas vezes, talvez blefando, e se deu bem. A crupier, uma linda moça morena, alta de cabelos negros, olhos cor de mel, muito bonita e quase perfeita de corpo, digo quase perfeita, por não conhecer a mulher perfeita, devia ter 20 anos.
A moça deu as cartas, orelhei as minhas duas, e vi um par de Ases. Bom jogo, um par na mão é meio caminho e de ases então. Começaram as apostas. O mão abriu o jogo com 100 dólares, o seguinte dobrou, quase no fanal da rodada, alguém colocou 500 sobre a mesa, o ultimo era ele. Não pensou muito e atirou 2.000 dólares sobre o pano verde. Olhei para o lado e vi sua esposa, já os vira saindo do cassino numa madrugada fria, em um velho Ford, andava de um lado para outro também parecendo desesperada. Três dos jogadores jogaram suas cartas sobre a mesa que a bela crupier recolheu com a graça de quem é belo. Ficamos três que pagamos para ver o Flopy. A linda moça virou as três primeiras cartas, e vi: dois Ases e um quatro, portanto eu tinha um poker formado, o mais alto. Era minha vez de apostar. A moça de olhos de puma olhou para mim e perguntou: _Aposta señor? Bati com a mão na mesa, não apostava. O jogador seguinte pegou 10.000,00 dólares e colocou a frente da moça, que rapidamente recolheu e juntou ao poço. Todos pagamos a aposta e a moça virou as últimas duas cartas. Um quatro e um valete. Portanto eu jamais poderia perder aquela parada. Era a vez do apostador ao meu lado, este bateu na mesa passando, para meu desespero, vi aquele homem levar as duas mãos as suas fichas, e empurra-las em direção ao centro da mesa. Meu coração disparou meu vizinho, jogou as cartas na mesa, portanto a parada era entre nós dois. Novamente olhei minhas cartas, o máximo que ele poderia ter seria um fuland, nada mais, estava irremediavelmente perdido. Olhei para ele, que tentou sorrir para mim como a intimidar-me, porém não vi sorriso nenhum, aquilo mais parecia um pranto.
Pedi a Deus que mesmo se tratando de jogo, que me desse uma luz, e ele me atendeu, pois não tive tempo para pensar e joguei minhas cartas na mesa, me levantando e recolhendo as poucas fichas que me restavam. A felicidade que vi naquele rosto antes tão apreensivo, no momento valeu mais que os 50.000,00 dólares repousavam no centro da mesa. Apertou a minha mão, e senti a sua gelada e tremula, correu para abraçar a esposa aos gritos.
Sai dali, peguei meu carro e me recusei a pensar no meu gesto. Dane-se pensei, caso não valha nada, acho que não agi mal. Quem manda ficar colocando Deus em jogo pensei.
Cinco anos depois, me encontrava no Rio de Janeiro e faria uma viagem para Miami, quando já a bordo da aeronave, uma comissária de bordo me chamou a atenção pela beleza. Nossa que olhos, que boca e que corpo. Assim que o avião decolou e se estabilizou, a moça aproximou-se de mim, e como a poltrona ao lado estava vazia sentou-se. Num charmoso espanhol com aquela foz felina disse: _ Te busco a tantos años y ahora te quedas em mis braços. Tomei um susto. Seria louca. _Para donde vas? Ainda meio assustado respondi: Miami. E ali recebi um convite para ser hospede daquela deusa alada, que mesmo sem entender nada, preferia mil vezes abrir a porta e descer ali mesmo a 10 mil pés de altura, que recusar tal convite.
Marília Rocio era a crupier daquela rodada de Poker. Perdi 50.000,00, talvez tenha salvo uma vida e ainda ganhei a mais linda, mais meiga, mais carinhosa, mais tudo que pode ter de bom uma mulher, que hoje é mãe dos nossos filhos.
Claro, ela vira minhas cartas. Assim como, conhecia a situação daquele homem, que na verdade não era um jogador contumaz, apelara para o jogo como único recurso para salvar uma filha das drogas.