terça-feira, 30 de dezembro de 2008


O PÃO DE GENEROSO
J. Norinaldo

Eu já andei muito por este mundo fora, às vezes fico pensando que nada mais me surpreende.
Viajei pelo Sul pelo Norte pelo Nordeste e já presenciei todo tipo de crendice e tradição, às vezes muito estranhas ou exóticas.
Quando fui pela primeira vez ao pantanal em Mato Grosso do Sul, tomei o maior susto quando alguém me perguntou se aceitaria comer um pedaço de sopa, claro que achei se tratar de gozação, não era, lá na semana santa todas as famílias, ou quase todas, fazem uma sopa sólida, mais parecendo um bolo de milho.
Leva, além de farinha de milho, queijo, cebola e mais alguns temperos que para mim foi realmente surpreendente.
Há pouco tempo fiz uma viagem de automóvel pelo nordeste, como não tinha prazo eu parava onde queria e ficava o tempo que achava necessário. Cheguei a uma pequena cidade do estado de Pernambuco, achei o lugar lindo, devia ter uns 15 mil habitantes, fiquei num hotel que apesar de não ter estrela nenhuma, era muito aconchegante e o atendimento muito especial, a comida de primeira, carne de sol a especialidade da casa. Resolvi parar ali por algum tempo. Fiz amizade com o dono e com os empregados, o hotel era uma construção muito comprida e sem nenhuma graça, parecia tudo menos um hotel, mas algo ali me chamava a atenção, eu queria saber o quê.
O nome da cidade é Cachoeira Alta, estranhei, mas depois soube depois que um rio que corta a cidade passa a maior parte do ano seco. Uma das coisas que mais me surpreendeu, foi como havia árvores naquele lugar, e jardins, cada casa por mais pobre que fosse lá estavam algumas roseiras e outras flores.
Andei muito pelas estreitas ruas, apenas algumas calçadas com paralelepípedos, o restante ruas de terra, casas simples, nenhum prédio, como em qualquer lugar, havia casas bonitas, das famílias mais abastadas, a economia do lugar era basicamente agrícola, milho, feijão, mandioca, mamona e algodão.
Tive mais uma surpresa em matéria de tradição, e por isto demorei mais tempo nesta cidade. Certo dia eu me encontrava numa barbearia, folheava uma velha revista aguardando minha vez quando notei que muitas pessoas passavam ali em frente, todos com um grande pão. Tinha dois senhores na minha frente, eu me levantei e fui até a porta, logo mais a frente havia um estabelecimento comercial, eu já passara ali, era uma padaria, uma grande fila se formava na frente, e mais pessoas saiam dali com um pão, era um pão grande mas todos iguais..
Fiquei muito intrigado, olhei mais um pouco, não entendi nada, que significava aquilo?
Por fim chegou minha vez, tive o cuidado de olhar a cadeira do barbeiro, pude perceber que era muito antiga, sentei-me, e assim que ele começou a aparar meu cabelo, eu lhe perguntei:
_Amigo, estive vendo uma fila de pessoas em frente à padaria, todos saem com um pão, o que significa? ou não significa nada?
_O senhor não é daqui, não é mesmo? Perguntou com um sorriso.
_Não, sou do Sul, estou a passeio.
_Pois bem amigo, hoje é o dia do pão de Generoso, para nós é um compromisso sério, pegar um pão hoje, é de graça, todas as padarias dão o pão, sempre neste dia. Era uma quarta feira, dia 10 de Abril, fiz um esforço e não me lembrei se era dia de algum santo. Não lembrei.
_Pão de Generoso? Bem amigo, como lhe disse não sou daqui, mas ficaria muito grato se me dissesse de que se trata.
_É uma história longa amigo, posso até lhe contar, mas se quer realmente saber com riqueza de detalhes, depois desça por esta mesma rua, dobre na primeira esquina a direita e encontrará uma linda casa azul, a que tem o maior jardim na frente, ali encontrará uma senhora que lhe contará tudo com muito prazer.
_Assim que terminou, eu paguei, agradeci e sai, outra coisa que notara nesta pequena cidade, era a maneira carinhosa, hospitaleira dos habitantes. Cheguei a esquina dobrei e logo vi a bela casa azul. Bati palmas, e uma mocinha veio atender.
_Bom dia senhor, em que posso ajuda-lo, disse com seu sotaque, com o qual eu já estava me acostumando, lhe disse o que queria e ela abriu o portão mandando que eu entrasse, sentasse na varanda que ia chamar a senhora.
Logo apareceu uma mulher, devia ter uns 40 anos, era bonita, alta, tinha cabelos negros e longos.
_Bom dia senhor, deseja falar comigo?
_Sim senhora, se não for incômodo, eu gostaria muito de conhecer a história do Pão. O barbeiro me indicou a senhora.
_Um lindo e estranho sorriso surgiu no rosto da mulher.
_O senhor não quer entrar?
_ Bem por mim aqui está muito agradável.
A mulher sentou-se a minha frente e começou a falar:
_Nossa cidade era diferente, a população agia diferente, quase tudo aqui era diferente, até que um dia apareceu Generoso, deixei-a falar a vontade sem interrupção.
_este lugar era conhecido pelas festas, principalmente de Santo Antonio, eram três dias e três noites, se comia, bebia e dançava muito, alegria demais. Nesta última que vou lhe contar então estava maravilhoso, veio circo, parque, teatro de bonecos que aqui chamamos mamolengo, até cinema teve, passou o filme de Sansão e Dalila.
Pois bem continuou ela, quando a festa acabou, as pessoas de fora foram embora, um homem não foi. Foi encontrado caído bêbado atrás da casa do motor. Todos acharam que assim que melhorasse do porre, procuraria seu rumo. Não foi assim, este homem ficou em nossa cidade, não era um homem comum, além de muito alto, branco, olhos verdes, e um homem muito forte, um verdadeiro gigante.
Vou resumir no que puder para não tomar muito seu tempo, pois a história é longa. No começo as pessoas ficaram bem desconfiadas, mas com o passar dos dias foram vendo que aquela criatura só fazia mal a si mesmo, pois bebia muito, ficava bêbado e sentava em algum lugar no chão e ficava conversando algo que ninguém entendia direito.
Como disse que o homem era muito forte, logo arranjou trabalho nos armazéns, o senhor passou pela praça, ali onde hoje é o cartório, era um grande armazém, comprava de tudo, milho, feijão, algodão, depois ensacavam tudo e os caminhões da capital vinham buscar.
Trabalhava por quatro homens.
Havia por trás da praça, um local destinado à venda de animais em dias de feira, havia um grande curral e uma construção toda aberta, ali já vivia um senhor há muito tempo, e o nosso homem também ali se hospedou.
Ninguém sabia nada a respeito dele, nem sequer seu nome, pois este não falava com ninguém a seu respeito, falava muito sozinho quando bêbado, mas como lhe disse não se entendia nada. Além de tudo era um homem muito bonito.
Tudo praticamente começou, quando o homem se encontrava naquela mesma padaria, onde o senhor viu as pessoas pegando o Pão de Generoso.
Eu continuava em silencio prestando toda a atenção do mundo, até agora não entendera nada. Ela prosseguiu:
O homem estava ali para comprar sua aguardente e outras coisas, quando uma menina entrou no local, pediu o que queria e o dono foi até uma espécie de tulha de madeira, um depósito para bolachas, juntou todo farelo que sobrara, colocou em um saco de papel e entregou a criança, esta lhe entregou algumas moedas e já ia saindo.
O homem então perguntou ao vendeiro:
_O senhor vende aquilo para uma criança?
_Claro meu amigo respondeu o outro, se reparar bem isto aqui é uma venda, vendo de tudo.
_Espere um pouco amigo, aquilo é resto, como pode vender até aquilo?
_Ninguém me dá nada moço, caso não esteja gostando, compre o pão e dê a menina, caso contrário tenho mais o que fazer.
O homem chamou a criança e perguntou:
- Quantas pessoas tem em sua casa?
__Seis respondeu a menina, que tinha 7 anos.
_ O homem mandou que o dono da mercearia lhe desse seis pães, depois perguntou quanto custava, pagou o correspondente a uma semana, disse a menina para vir pegar os pães todos os dias, já estavam pagos, mandou que o homem devolvesse suas moedas e que lhe cobrasse pelo farelo que ela ia levando.
Pegou suas compras e se foi, dias depois se via para que ele queria aquele farelo, que passou a pegar quase todos os dias, espalhava pelo chão na sua pobre moradia, e logo havia revoadas de pássaros atraídos pela gostosa refeição.
A menina chegou em casa com a grande quantidade de pão, e seus pais quiseram saber onde arranjara dinheiro, ela lhes contou o puxão de orelhas que o Bêbado grande dera no homem da padaria, e foi repreendida por tratar assim a quem a ajudara, a menina ouviu seu pai conversando com a esposa, se referindo ao bêbado como um homem Generoso, e a menina a partir desse dia só chamava o homem de “Seu Generoso”, no começo ele ria muito, pois era só que sabia fazer, o bem e rir muito.
Nascia para nós o Generoso, que viria com o tempo mudar tudo, ou quase tudo em nossa cidade. Duas semanas depois do ocorrido que acabei de lhe contar, o dono da padaria recebia uma quantia em dinheiro para dar pão a várias famílias que não podiam compra-lo.
Generoso ganhava bem carregando vários caminhões por dia, usava todo dinheiro que ganhava, para ajudar as pessoas necessitadas, tirava apenas para seu sustento e sua bebida.
Acabara-se toda desconfiança naquele homem, todos reconheciam nele apenas generosidade, depois começou a ir à escola.. na hora do recreio havia um senhor com uma máquina de fazer algodão doce, muitas crianças não tinham dinheiro para comprar, passaram a receber do Generoso.
Ele chegava, sempre sóbrio nestas ocasiões, perguntava quem queria algodão doce, e claro todos queriam, ele então dizia:
- Bem, se nenhum menino aqui, atirou pedra em passarinho, lagartixa ou outro animal qualquer, não faltou com o respeito com os mais velhos e prometer que nunca vai beber pinga, eu pago pra todos.
- Não, gritavam todos.
- Não senhor, corrigia a professora, e assim Generoso ficou conhecido das crianças, que passaram a amar os animais e as plantas. O senhor notou a quantidade de árvores que tem em nossa cidade, pois é, tudo obra do Generoso, que pegava a criançada e juntos plantaram todos essas mudas, e a meninada cuidava de tudo.
Outra coisa, depois do Pão, Generoso começou a usar o dinheiro do seu trabalho também com remédios para as pessoas pobres, suas únicas exigências: era que não deixassem os meninos, atirar pedras em passarinho, lagartixas ou qualquer outro animal, desrespeitar os mais velhos, e que fossem ensinado o mal que o vício fazia. Às vezes as crianças intrigadas perguntavam: seu Generoso, passarinhos tudo bem, mas porque lagartixas também? Ele então se sentava e explicava: _ Porque todas as criaturas são filhas de Deus, como nós, não devemos maltratar nenhuma, nem mesmo as lagartixas.
Ninguém aqui cria pássaro em gaiola, é uma coisa gravíssima para nós, ensinamento dele, as crianças daquela época transmitiram para as de hoje e graças a Deus conseguimos manter a tradição.
Generoso ficou conosco por mais nove anos, um triste dia 10 de abril, o encontraram morto, foi uma comoção geral no lugar. Mas a partir daí nada mais foi como era antes. Há muitos anos não há um crime grave neste lugar. O dono da padaria depois que Generoso se foi, continuou dando o pão de graça as pessoas pobres, dizia que Generoso deixara pago. Não era verdade, ele mudara ao ver o comportamento daquele homem.Mas tinha vergonha de dizer
Hoje é comum a gente ver alguém fazendo compras, e quando o troco é apenas algumas moedas, este alguém dizer: pode deixar, fica para o Pão.
Seguindo o exemplo do comerciante avarento, aquele que vendia tudo, não dava nada, hoje temos a farmácia comunitária, onde quem tem dinheiro compra, quem não tem leva de graça, temos o Lar de Generoso, que funciona no local onde antes era o curral, e serviu de moradia para o Generoso hoje é um albergue para abrigar aqueles que não têm onde ficar. Em cada casa, por mais pobre que seja, há um pequeno jardim e por todas as árvores, o senhor pode ver casinhas de madeira, onde os canários, pardais e todos tipos de aves fazem morada.
Como hoje é dia 10 de abril, todos moradores da cidade pegam um grande pão na mesma padaria, onde a primeira menina recebeu do Generoso, todas as outras padarias também fazem o mesmo pão grande, como grande era o coração daquele bêbado, e mandam para esta da praça. Ali eu vou bem cedinho e sou a primeira a pegar o Pão de Generoso, e isto já acontece há 30 anos.
_E porque a senhora é primeira a pegar o Pão? porque chega mais cedo?
Não, amigo, porque fui a primeira a receber essa ajuda, era eu que comprava o farelo de bolachas, lembra?.
Caso aceite, pode pegar lá o seu pão, não é obrigado, é claro, e venha tomar um café comigo, podemos prosear mais.
_Com muito prazer, respondi, irei agora mesmo.
Fui até a padaria, e até um pouco encabulado entrei, uma jovem se aproximou com um sorriso, e perguntou, deseja algo senhor?
_Sim, o Pão de Generoso, achei estranho o que estava dizendo.
A moça disse: _ Sim claro, um momento, por favor, afastou-se voltando em seguida, com o enorme Pão embrulhado. Agradeci e sai.
Enquanto me encaminhava para a casa da senhora que depois me disse se chamar Maria do Socorro, sai pensando: Tenho muito a aprender ainda.
Fiquei nessa cidade por mais alguns dias, quando resolvi ir embora tinha certeza que também não era o mesmo de quando cheguei. Já na saída da cidade um senhor já de idade, com mais três pessoas que presumi ser mulher e filhas, me fez sinal e eu parei.
_Bom dia, moço, o senhor vai para onde perguntou. E eu lhe respondi: Isto não importa amigo, para onde vai o senhor? Abri o porta malas e disse: Coloque ai sua bagagem que os levarei. Este respondeu: Carece não moço, o senhor deve ir para a Capital, nós vamos pegar uma estrada de chão logo ai a frente. Conseguiremos outra carona.
Ora, respondi, não conheceu o Generoso?
_Claro, eu convivi com ele, mas o senhor não é daqui, não pode tê-lo conhecido. Generoso morreu faz muito moço.
_Eu sei! Mas sua generosidade não poderá morrer nunca. Vamos, homem entre.
Como disse. Jamais serei o mesmo depois de conhecer essa história.


FANTASMINHA ENGRAÇADO
J. Norinaldo.


Em minha eterna busca pôr fantasmas de sótãos, esquisitice que adquiri ao ler o primeiro livro de contos de Edgar Alan Poe, quando ainda muito jovem. Vi-me há muito pouco tempo numa situação vexatória e desconfortável.
Conheci recentemente um escritor, poeta e jornalista muito conhecido nos meios literários da minha cidade, fizemos amizade muito rapidamente e, hoje além de amigo sou um grande admirador do mesmo.
Este meu novo amigo mora em uma mansão muito antiga. Apesar do luxo, o lugar tem uma aparência fantasmagórica, desde o primeiro dia em que ali estive tive essa sensação. Nos fundos do quintal que é enorme existe uma construção de dois pisos, uma espécie de quiosque.
Mas vamos ao fato que pretendo contar. Muito bem, esse pequeno quiosque tem também um pequeno sótão, muito pequeno mesmo, eu já estive algumas vezes na casa do meu amigo e sempre tive curiosidade de olhar o que tem lá em cima, porém, ainda não tive oportunidade de fazer isto sem chamar a atenção e Ter que dar explicações sobre a minha mania. Até que dias atrás eu telefonei avisando de mais uma visita, e quando cheguei para minha surpresa, meu amigo havia se ausentado por motivos alheios à sua vontade, deixara um recado para que eu fosse lá para seu canto e o esperasse. Não demoraria.
Eu pretendia voltar depois, disse isto ao seu mensageiro, mas este disse que meu amigo lhe recomendara que não me deixasse ir embora, que não demoraria que precisava falar comigo. Não tive outra alternativa, entrei e fui direto ao quiosque, quando lá cheguei, notei uma escada colocada na entrada do sótão que fica na frente da pequena construção, na hora senti algo estranho, sabia que não era correto subir a escada e espionar o que tinha lá em cima. Contive meu primeiro impulso… por pouco tempo, porém, achando que éramos amigos e quando chegasse eu lhe diria, subi alguns degraus da escada até poder olhar pela pequena abertura. Que decepção, nada além de alguns pedaços de isopor, e uma mesa velha.
Já me preparava para descer quando para meu espanto ouvi uma voz dizer:
_Olá!
minha primeira iniciativa foi olhar para baixo, pensando ter sido pego em flagrante espionando o sótão. Não vi ninguém, então eu mesmo perguntei sem dirigir a ninguém à pergunta: _ Quem disse olá?
_Eu disse olá! Agora eu sabia que a voz vinha de dentro do sótão, tomei um susto tão grande que pôr pouco não despenco da escada. _ Eu quem? Perguntei com voz tremula de medo.
Olhei para a parte mais clara e o que vi me deixou pasmo, um rato, parecendo ter uma tênue luz a sua volta, olhando para mim disse:
_Eu disse olá, e digo olá novamente, olá.
No mesmo instante me lembrei de algo que lera recentemente sobre esquizofrenia e pensei meu Deus, não pode ser isto não tem cura. Mas enfrentei a realidade perguntando:
_ Quem é você?
_ Um fantasma!
_ Fantasma de um rato? E fala?
_não Pedro Bó, sou um fantasma de uma girafa e relincho, não está ouvindo?
Achei engraçada a irritação do rato, e perguntei:
Posso saber por que é tão irritado?
_ Comigo burrice tem tolerância zero, foi justamente por burrice que hoje sou um fantasma, entende agora?
Apesar do medo que sentia, não do fantasma, mas sim de ter ficado louco. Prossegui o dialogo:
_ Muito bem, e o que quer de mim?
_ Eu nada, não te procurei, foi você que veio até aqui, eu não te chamei. Mas já que está aqui, vamos aproveitar e conversar um pouco, me sinto muito só nesse lugar.
_Tudo bem, respondi sobre o que quer conversar?
_ Você é visita, escolha o tema, para mim tudo bem.
_ Está bem, me conte então como virou fantasma.
_ Bem é uma longa história, não quer entrar e sentar-se?
_ Não, estou bem aqui.
_ Tudo começou com um sonho, aliás, todo rato tem dois grandes sonhos, uma fábrica de queijos e conhecer o mais famoso rato do mundo. O Mickey Mouse. Eu parti para a segunda opção, consegui uma passagem de navio e embarquei em busca do meu sonho.
_Como conseguiu a passagem? Comprou? Perguntei espantado.
_ Claro que não comprei você me parece meio retardado, consegui escalando um grosso cabo que prende o navio ao cais, e agora vê se não me interrompe mais.
A viagem foi maravilhosa, comida a vontade, consegui um camarote com uma bela visão, apesar de ter enjoado um pouco nos primeiros dias não podia me queixar. Foram muitos dias de mar, até que aportamos, desembarquei sem muito problema, e foi ai que começaram as dificuldades. Primeiro eu notei que as pessoas naquele país eram todas iguais, no começo pensei que fosse o efeito da primeira viagem a bordo de um grande navio, mas não era. Na minha ânsia de embarcar para Orlando na Flórida, eu esquecera de verificar em que navio entrara me dei mal e fui parar na China.
Para encurtar o papo, não entendia uma vírgula do que falavam ali e de repente me vi totalmente perdido. Encontrei alguns ratos locais, mas como disse não nos entendíamos, de repente uma grande correria, eu mesmo sem saber por que corriam não fiquei para averiguar. Enquanto corria pensava na falta do passaporte. Até que uma rede me caçou, ali comem ratos grandes, eu engordara muito durante a viagem, me tornei uma presa fácil. De repente minha vida passou rapidamente diante dos meus olhos como num filme e zaz, eu estava do outro lado. Era um fantasma.
_ E o que me conta da vida de fantasma? Perguntei agora bem interessado e deslumbrado com o estranho diálogo.
_ Tem suas vantagens, mas também muitas desvantagens. Vantagens, você entra onde quer e a hora que quer sem ser molestado. Desvantagem entra em uma fábrica de queijos e ali não vê nenhuma vantagem, pois fantasmas não comem. Bem e foi depois de virar fantasma que tive a chance de realizar meu sonho, ver de perto o Mickey. Minha decepção foi tão grande que só não morri porque não poderia morrer novamente.
_ Pôr que se decepcionou tanto?
_ Porque descobri que o tal Mickey, não passa de uma menina debaixo de uma fantasia de plástico, já pensou nisso? E é justamente pôr isto que detesto gente burra como eu fui.
_Agora entendo. Mas decerto tem outras vantagens, disse eu, pôr exemplo: Entrar no quarto de uma linda garota e vê-la trocar de roupa vai dizer que não é fascinante?
_ Eu não me enganei, você é realmente é piroca das idéias, o que sentiria ao ver uma rata pelada? Vamos me responda!
_ Ora, nada, talvez sentisse asco.
_ Pois esse seria meu sentimento diante de uma mulher nua. Vamos mudar de assunto, você é amigo desse cara ai embaixo, não é?
_ Claro que sou, respondi chateado pela interrupção do papo, estava ficando gostoso, mas esse fantasminha é bem enfaroso e metido pensei. Pôr que quer saber, respondi rispidamente.
_ Quero que me faça um favor, diga pra esse cara parar de tocar esse violão dele e cantar com essa voz de galinha choca, não é pôr ser dono do sótão que tem o direito de incomodar os vizinhos, diga tudo isto par ele.
_ Ora eu não posso fazer isto, respondi.
_ E porque não? Qual é o problema?
_ São muitos os problemas, primeiro porque não concordo com você, pôr acaso não viu a quantidade de troféus que ele acumula lá embaixo? Foram todos ganhos em festivais, ela canta e toca divinamente, um verdadeiro virtuose. E para fazer isto, eu vou ter que contar essa nossa conversa, e segundo ele vai achar que inventei tudo isto, e sou eu que acho que ele não toca nada e ainda tem a voz de galinha choca.
_ É, acho que o subestimei, não é tão burro assim..
. E com certeza você nunca escutou o rato italiano Vincenzo Provolone cantar, para dizer que seu amigo canta bem, ora faça-me o favor. A conversa está boa, mas galinha choca está chegando. Ouvi o barulho do portão e desci rapidamente sentado-me e pegando um livro que fingi ler, quando meu amigo entrou. Na minha pressa nem notei que o livro estava de cabeça para baixo.
_ Oi, demorei muito? sinto te-lo feito esperar. Quando vi a maneira como meu amigo me olhava, mesmo sem que ele perguntasse nada, eu gritei:
_ EU NÃO VI NADA. Juro que não vi. Ouvi uma tremenda gargalhada lá em cima.