domingo, 14 de junho de 2009

O TAROL DA SALVAÇÃO
J. Norinaldo

O sr. Luis Defino, que se aposentara há algum tempo, ficara com um bom salário. Sonhara fazer muitas coisas quando aposentado, mas não fez nada. A vida mudou radicalmente, em casa o ostracismo levou seu Luis à depressão, vivia de mau humor o tempo todo, tentou arranjar um novo emprego mas não conseguiu e sua esposa começou a sofrer com o nervosismo do marido.
Luis não deixava sua mulher escutar o rádio, o que antes ela fazia todos os dias enquanto ele estava no trabalho… qualquer barulho irritava o homem, principalmente se fosse contínuo. D. Edna viu a sua casa virar um verdadeiro inferno com a presença agora constante do marido.
Ela também sonhara viajar e se divertir assim que este estivesse aposentado, no entanto, ainda não haviam saído de casa e ele já se aposentara há dois anos.
Um belo dia, uma família se mudou para a casa ao lado da de Luis. Era um casal jovem com apenas um filho de oito anos, uma linda criança que se chamava Gabriel.
No começo foi tudo normal, os vizinhos se cumprimentavam, mas Ricardo, o vizinho, já comentara com Selma sua esposa que achava o vizinho estranho, não sorria nunca e parecia estar sempre com raiva do mundo.
Nunca, porém houve nenhum incidente digno de nota entre os dois casais, até que chegou o natal, Luis não quis ir passar as festas na casa de parentes de D. Edna, de modo que ficaram os dois em casa, já que não tinham filhos.
Os vizinhos ainda os convidaram para ir a sua casa, mas Luis, alegando que o natal é uma festa para a família, não queria incomodar. O outro ainda insistiu, mas não teve jeito.
E foi depois deste natal que as coisas começaram a mudar entre os dois.
No dia seguinte ao natal, Gabriel, o filho do casal ganhou de presente do pai um pequeno taról, portanto, Luis foi acordado muito cedo no dia 25 pelo baralho do pequeno tocando seu instrumento: Tararará tarará tatá, tararará tarará tatá.
Luis acordou, sentou-se na cama, sua esposa ainda dormia, ele balançou a cabeça e disse em voz baixa: “Acabou-se o sossego, será que essas pessoas não conhecem o direito dos outros, o que diabo é isto agora?”
O barulho continuava o mesmo de sempre: Tararará tarará tatá, tararará tarará tatá… Aquilo foi levando seu Luis a loucura, esperava para ver se aquilo parava, mas nada. Levantou-se e deu uma olhada por cima do muro, Gabriel inocentemente tocava seu tarol muito feliz:
Tararará tarará tatá.
Aquele som entrava na cabeça do homem parecendo uma verdadeira tortura, Luis desceu do muro e falou muito alto: - “Será que esta tortura vai durar muito tempo?”
A mãe do menino ouviu e ficou preocupada, mesmo sem saber que o vizinho se referia ao seu filho, mesmo assim pegou o menino e o levou para um canto do quintal bem longe do vizinho, o menino continuou a tocar seu tarol.
Luis aguçava os ouvidos, ainda ouvia, mais fraco, mas ouvia, e a tortura continuava. Sua esposa acordara com seus gritos.
- O que está acontecendo? Que gritaria é esta?
- Um maldito tarol querendo me deixar louco, você não está ouvindo?
- Ora Luis, é apenas o menino do vizinho, deve ter ganhado de presente e está se divertindo, você nunca foi criança? deixe o pequeno brincar, que coisa!
- Não vou admitir que filho de ninguém me deixe louco, vou falar com os pais dele” - falava tão alto que a vizinha ouvia tudo, esta levou a mão à boca e disse consigo mesma: “Ai meu Deus, e agora, vou ter que tirar o brinquedo do Gabriel, não quero incômodo com os vizinhos”.
Bem que tentou convencer o menino, em vão, ora, ele ganhara o brinquedo não fazia muito, e já estava gostando muito dele. Quando o marido acordou, ela lhe contou tudo, este recomendou à esposa que levasse o menino para tocar seu instrumento na praça, também não queria brigas com o vizinho.
Selma levava o menino até a praça e ali ele tocava o seu tarol, como a praça não ficava longe, seu Luis ia para a janela e ficava tentando ouvir o barulho, olhava com ódio para a mãe e o menino, sua mulher notando aquilo disse:
- “Você deve estar ficando louco homem, sai daí, deixa de blasfemar contra uma criança, Deus pode te castigar” … e ouviu mais um monte de impropérios.
O certo é que Luis parou de cumprimentar os vizinhos, estes conscientes que não transgrediam nenhuma lei, continuaram sua vida normal, tinham esperança que logo o menino se fartasse do brinquedo, e ai daria sumiço nele, mas não aconteceu.
Gabriel cada vez mais gostava do seu tarol, para desespero do vizinho, que agora blasfemava a altos brados contra a criança. Sua esposa tapava os ouvidos para não escutar aquelas barbaridades.
Um belo dia seu Luis acordou e não ouviu o rufar do tarol… ficou esperando e nada!!!
O que houve? Será que enfim tomaram vergonha e deram sumiço naquela imundicie? – pensou. Que nada! Continuou pensando… daqui a pouco começa, e ficou com seu mau humor a espera.
- “Nada, já sei, não estão em casa, mas o alívio é só momentâneo, depois começa tudo novamente.”
No outro dia, nada de tarol, porém nem isto levava felicidade àquele homem, ele continuava pensando, mesmo assim levaram muito tempo, e eu sei que foi por implicância, por isto continuarei sem falar com eles, não gosto dessa família.
Certa noite Luis dormia tranqüilamente ao lado da esposa, de repente deu um pulo na cama, D. Edna acordou assustada e viu seu marido banhado de suor, parecia transtornado, ela ficou com muito medo e perguntou:
- O que houve? Você está bem? Por Deus me responde homem!!
Luis com a respiração alterada olhou para a esposa e perguntou:
- Você notou que o menino parou de tocar o tarol? O que será que aconteceu?
D. Edna então teve certeza que seu marido não estava nada bem, mas sentiu raiva e disse:
- Você endoidou de vez homem, vou ligar agora mesmo para o doutor Alberto, você infernizou a vida de todo mundo ultimamente por causa desse brinquedo, ofendeu as pessoas, brigou com o mundo, e agora vem no meio da noite me perguntar por este tarol, ora faça-me o favor. Não vá me dizer que está sentindo falta do barulho, porque ai, quem vai enlouquecer sou eu.
Desta vez D. Edna teve uma grata surpresa, quando olhou para o marido, viu uma coisa que já até havia esquecido, um lindo sorriso aflorava de seus lábios, ele tinha uma expressão de felicidade, ela não entendeu nada, pensou: - “Coitado pirou de vez, e agora o que faço?”
- “Vá dormir, minha querida” Há muitos anos ela não ouvia aquelas palavras. - Durma com Deus, amanhã você saberá o que houve, eu prometo, tenho certeza que a partir de hoje, minha vida será outra.” - beijou suavemente a testa da esposa e também se deitou, em seu rosto um belo sorriso, e uma lágrima lhe escorria dos olhos.
Luis não conseguiu mais dormir aquela noite, só que desta vez de tanta felicidade. D. Edna não conseguiu dormir, preocupada com o comportamento do marido, continuava pensando que endoidecera.
No outro dia, Luis saiu de casa bem cedo, sem dizer aonde ia, ela aproveitou e ligou para o médico da família e explicou tudo ao velho doutor. Este ficou de fazer uma visita ao casal naquele mesmo dia.
Por volta das onze horas Luis chegou em casa com 3 grandes pacotes, todos embrulhados para presente, mas disse que eram uma surpresa e cada vez mais a mulher acreditava na loucura do marido, já sentia até pena.
- “Bem minha querida, eu lhe disse ontem que minha vida iria mudar, que lhe contaria tudo, aguarde só mais um pouco e ficará sabendo de tudo. Primeiramente quero lhe dar este presente, espero que goste, vamos abra.”
D. Edna, perplexa, recebeu das mãos do marido aquela caixa e com mãos trêmulas começou a abri-la… sua surpresa foi imensa quando viu que se tratava de um lindíssimo rádio, o seu já estava muito velho.
Esqueceu a loucura do marido e correu para seus braços, este a recebeu afetuosamente lhe dando um beijo na boca. D. Edna não conseguiu segurar a emoção e começou a chorar.
- Vamos querida, ligue, agora pode ouvir o tempo que quiser, não está feliz?
- Muito, querido, você nem imagina, mas o que houve? Porque esta mudança?
- Já disse, tenha um pouco de paciência e logo saberá de tudo, disse ele sorrindo - coisa que não fazia há muito tempo.
Assim que o vizinho chegou do trabalho para o almoço, seu Luis apertou sua campainha, D. Selma veio atender e tomou um susto quando o viu.
“O que será agora meu Deus? Será que este homem não vai nos deixar em paz?.” Porém notou um sorriso no rosto do vizinho ao dizer:
- Bom dia, vizinha, eu poderia falar com vocês?
Nisto Ricardo apareceu, quando viu seu vizinho seu sangue ferveu nas veias, aquilo era demais!!! O que era agora? – pensou. E foi logo dizendo com voz áspera:
- Escute aqui, eu já tirei o brinquedo do meu filho que tanto lhe incomodava, o que quer agora? Que eu jogue também meu filho fora? Nem sequer ouvimos rádio aqui, eu comprei esta casa com muito sacrifício, não sou rico, nunca pensei ser um mau vizinho, portanto acho que o senhor tem exagerado em suas excentricidades, conheço os meus direitos, assim como meus deveres. O que deseja agora?
O homem ouviu tudo calado, depois deu um triste sorriso e disse:
- “Calma amigo, sei que vocês têm todos os motivos do mundo para não gostarem de mim, sempre fui muito egoísta e mau, mas agora vim aqui exatamente para pedir perdão pelas blasfêmias que disse contra seu filho, e lhe trazer um presente. Se conseguirem me perdoar eu lhes garanto que se assim desejarem, nunca mais lhes dirijo a palavra, porém o meu desejo é que sejamos grandes amigos.
Por favor, chamem o menino, quero lhe dar este presente, tenho certeza que vai adorar.”
Ricardo não entendia nada, olhava desconfiado para aquele pacote, depois do que ouvira aquele homem dizer do seu filho, aquilo bem que poderia ser uma bomba. Mesmo assim foi buscar seu filho, quando seu Luis viu o menino, o olhou com muita meiguice e disse:
- Olhe o que eu lhe trouxe de presente. Vamos abra e veja se gosta!!
O pai incentivou a criança a abrir o pacote, e quando Gabriel colocou os olhos no conteúdo, deu um grito de felicidade e seus olhos brilhavam como diamantes, Ricardo também se assustou, aquilo devia ter custado uma fortuna. E como soubera que o sonho do menino era um violino, será que seu filho pedira aquele presente, e não dissera nada aos pais.
- É para mim!!!!!!!! - gritava o menino - Que lindo!!! muito obrigado, olha mãe que lindo!!!
E retirou da caixa um belíssimo violino.
- Não podemos aceitar um presente tão caro, isto deve ter custado uma fortuna - disse o Ricardo.
- Não existe dinheiro que possa pagar pela felicidade de uma criança! O senhor não viu os olhinhos dele quando viu o violino? É seu, garoto e faço questão de lhe pagar aulas de música, aceita? - Bem e para provar que mudei, quero convida-los a jantar hoje conosco, aí ficarão sabendo de toda a história.
O casal mesmo diante de tanta surpresa, aceitou o convite.
Luis avisou a esposa, que com muita satisfação começou a preparar o jantar, nossa há quanto tempo não recebiam uma visita, e esta era muito especial, fez tudo com muito carinho e depois foi se arrumar para recebe-los.
Ricardo e família chegaram cedo, conversaram muito e em seguida foi servido o jantar, todos não cabiam de curiosidades para saber da novidade.
Após o jantar passaram a sala, e todos se acomodaram, só seu Luis ficou de pé.
- Atenção: Agora ficarão sabendo que não fiquei louco como chegou a pensar minha mulher, vou contar-lhes com detalhes o que me aconteceu:
- Eu tive um sonho. Eu estava na França, era há muitos anos atrás, me encontrava num tribunal, diante um juiz, cometera um crime muito grave, ou vários crimes. Minha primeira surpresa foi quando olhei para o juiz, este, mesmo de peruca e com aquelas roupas engraçadas, não era outro senão eu mesmo, vi quando ele se levantou e apontando para mim disse:
- Este homem cometeu os piores crimes, Não gosta da vida, não gosta de música e o pior, blasfemou contra crianças. Portanto eu o condeno a morte na guilhotina, será executado assim que o tarol parar de tocar. E saiu, eu então fui levado para um grande pátio, muita gente ali para assistir a minha execução, vi a guilhotina, minhas pernas não me obedeciam mais, fui arrastado até ela.
Ali colocaram minha cabeça numa espécie de buraco, vi a lâmina presa acima… vi um cesto em frente a mim. Comecei a suar muito e a pensar na minha vida, tinha pouco tempo para me arrepender dos meus pecados.
Logo trouxeram um menino com um tarol e pensei: maldito tarol, nem nessa hora me livro dele.
Foi dado um sinal e aquele menino começou a tocar: Tararará tarará tatá, tarará tarará tatá, pensei: Não tenho saída, pelo menos não vai demorar, pois este moleque logo parará e terminará tudo para mim, me lembrei com saudades da minha mulher, senti uma grande tristeza, não conseguia vê-la e isto me causava muita dor. O menino continuava tocando, na minha insanidade eu ainda pensava, “ele quer me torturar”, sabe que odeio este barulho, vai demorar bastante, de repente pára e a lâmina desce, um calafrio me percorreu todo o corpo. A agonia era grande...
O tempo passava e nada do menino parar de tocar, olhei para ele, vi um lindo olhar, ele continuava firme, o tempo foi passando, eu sabia que aquela criança mesmo que com muito esforço não agüentaria mais por muito tempo, a platéia começava a se irritar, vaiava o menino, queriam que parasse, ele continuava e agora aquele tararará tarará tatá que tanto me irritara, agora era uma música divina aos meus ouvidos. Olhei mais uma vez para o menino, este parecia cambalear, suava muito, demonstrava um grande cansaço, pedi a Deus que lhes desse força, jurei que mudaria minha vida, passaria a ver as crianças como devem ser vistas, pedi para que não parasse, que ironia, eu que tantas vezes blasfemara contra meu vizinho, agora implorava para que aquela criança continuasse tocando… E ele continuou, a platéia começou a se retirar irritada, aquela linda criança não queria que eu morresse, comecei a sentir isto, eu amava aquele menino.
Quase ninguém mais estava na praça, começava a escurecer.
De repente aquele juiz que me causara tanto espanto, ordenou que travassem a guilhotina e me soltassem, e que um soldado destruísse o tarol do menino.
Para minha maior felicidade eu me senti livre, fora perdoado, corri então para o menino, me ajoelhei a sua frente e lhe agradeci por ter me salvo a vida, depois olhei para o seu tarol, ali no chão destruído. Disse-lhe:
- Sinto muito pelo seu tarol amigo, e ele me olhou com toda sua inocência e disse:
- Não faz mal, o importante é que está vivo, eu não gostava mesmo desse tarol.
- E porque não gostava dele? Eu gosto, pois foi com ele que me salvou da guilhotina…
- É que o barulho dele irritava meu vizinho, o seu Luis, e ele falava muitas coisas feias para mim, queria tanto que ele gostasse de mim, mas o tarol estragou tudo. E na verdade eu queria mesmo um violino.
- Foi quando eu descobri que aquele que me salvara era o Gabriel, eu acordei apavorado, como eu não o reconhecera, claro nunca procurei olhar com carinho para esta linda criança. Ai está minha história, por causa desse meu sonho, quero mudar minha vida, amar as crianças e ver a vida como ela merece ser vista. Minha felicidade não estará completa, se vocês não me perdoarem de coração e se tornarem meus amigos para sempre!!!
- Quando terminou sua narrativa todos ali choravam, Luis aproveitou para mais uma vez abraçar Gabriel com muito carinho e para sua felicidade ganhou um beijo do garoto.
A vida, agora bem melhor para aqueles vizinhos, continuava, mas um dia Ricardo teve que se mudar novamente, fora transferido para outro estado, a separação não foi fácil para o Luis, mas nada podiam fazer, nesta época Gabriel estava com onze anos.
Cinco anos depois, Luis ia completar 65 anos, costumava acordar cedo, às sete horas já estava fora da cama, no dia do seu aniversário, eram seis horas da manhã, Luis foi acordado pelo toque de um tarol, parecia dentro da sua casa…
Tararará tarara tatá, tararará tarara tatá.
Ele deu um pulo da cama, D. Edna sabia de tudo.
- Querida, está ouvindo isto?? parece aqui em casa, ouça!!!
D. Edna fingindo não ouvir nada disse:
- Não estou ouvindo nada, do que está falando?
De repente o tarol parou de tocar, e seu Luis ouviu o mais lindo parabéns, tocado com perfeição por um violino, ele não tinha mais dúvidas, pulou da cima e correu em direção a música, chagou a sala e viu aquele belo rapaz, vestido de soldado francês da época do sonho tocando seu violino com perfeição. Por pouco o coração do homem não para de tanta emoção. Depois ainda ouviu sua música preferida tocada com muito amor e capricho “Fascinação” Gabriel sabia que ele adorava.
Seus pais também estavam ali, vieram todos ao aniversário do velho amigo. Após a grande emoção, seu Luis ordenou que todas as crianças do bairro fossem convidas para a festa, não precisava, elas já haviam sido convidadas por D. Edna, a casa foi enfeitada com milhares de balões e mais parecia um aniversário de criança, e talvez fosse mesmo….
A casa estava repleta de crianças e seus pais, quando seu Luis pediu atenção de todos e disse que voltaria logo com um presente que ganhara, foi ao seu quarto e voltou com o terceiro pacote que trouxera aquele feliz dia após o sonho.
Abriu-o, e dali tirou um tarol, pendurou no pescoço e saiu para o quintal tocando, com um chapéu de papel colorido na cabeça.
- Tarará tara tatá, tararará, tarará tatá…
Logo a garotada o seguia, um verdadeiro batalhão de crianças soprando língua de sogra na maior barulheira, ninguém tinha dúvida de que aquele era o homem mais feliz do mundo naquele momento.
O MISTÉRIO DOS AZULEJOS
José Norinaldo Tavares

Na cidade de Itaqui no interior gaúcho, vivia a família que originou esta história.
Eram apenas três pessoas: O pai, seu Carlos Aquino Fontoura, sua esposa D. Almerinda Fontoura e o pequeno Michel, com apenas sete anos.
Seu Carlos trabalhava numa fazenda e só vinha em casa nos fins de semana, e nem sempre. D. Almerinda era lavadeira, estava sempre nas pedras do Rio Uruguai com enormes trouxas de roupas. Enquanto isto, Michel brincava na água sempre vigiado pela mãe.
Michel era um garoto muito esperto, muito curioso, estava sempre indagando sobre tudo… iria para escola naquele ano.
Havia nesta cidade uma família muito ilustre. Eram os Ferrantes e Oliveira, moravam numa casa muito grande, uma construção antiga e sem nenhuma beleza. Era um prédio retangular, com portas muito grandes e altas, tendo uma espécie de arco na parte superior.
D. Almerinda lavava para esta família. Sempre que ia buscar a roupa levava consigo o pequeno Michel.
A primeira vez que o garoto entrou naquela casa, ficou encantado com os azulejos da cozinha! Esta era uma peça muito ampla como quase tudo naquela casa, o menino não desgrudava os olhinhos da parede revestida até o teto com um lindo azulejo com cores azuis e amarelo ouro, era realmente muito bonito.
Um dia comentou com sua mãe que achava aquela parede muito bonita, que gostava de ir àquela casa, até porque as pessoas ali o tratavam com muito carinho, sempre ganhava alguma coisa, quando não era um brinquedo, era um pedaço de torta, um biscoito, mas o que o encantava mesmo eram os azulejos.
Às vezes perdiam Michel de vista e iam encontrá-lo sempre olhando para os azulejos da cozinha.
Certo dia D. Almerinda conversava com a patroa, quando lhe falou do interesse do garoto pelos seus azulejos, D. Alonia, pois este era o nome da matriarca da família olhou para Michel e disse:
-Vejo que já tem muito bom gosto meu rapaz, pois este azulejo é realmente muito raro, veio da França, foi desenhado por um verdadeiro artista, e também custou uma fortuna ao meu avô.
Outra coisa que chamava atenção naquela casa, é que não havia jovens ali, só pessoas já com certa idade, médicos, advogados, um juiz e um militar de alta patente. Ninguém ali tinha menos de 50 anos.
O tempo foi passando, Michel continuou freqüentando aquela casa, e cada vez mais se apegava àquelas paredes, sempre que chegava com sua mãe, mesmo antes de lhe servirem um lanche, D Alonia o convidava a ir até a cozinha para admirar suas paredes, ela perguntava rindo:
- E ai senhor, estão limpos seus azulejos? - Ele sorria e ficava ali de olhos grudados na parede.
- Que coisa engraçada! - Dizia ela para a mãe do menino. - Poucas pessoas têm a sensibilidade de chegar aqui e olhar da maneira como esse menino olha esta parede, estranho, não acha?
D. Almerinda acreditava que aquilo se devia ao fato do menino nunca ter visto azulejos em sua casa, quem sabe não é isto?
Mas não era. Isto ficou provado mais tarde. Três anos depois, o pai de Michel recebia uma ótima proposta para trabalhar em Mato Grosso. Aceitou e se mudaram da cidade.
Nesta época Michel estava com 10 anos, quando foram se despedir dos Ferrantes o menino teve que ser puxado da cozinha, pois parecia ser atraído por uma força estranha. Michel queria gravar fundo em sua memória a beleza dos azulejos.
O menino cresceu, seu pai melhorou de situação, ele pôde estudar, se formou, mas nunca esqueceu sua antiga paixão. Depois de adulto achou que não era certo da cabeça por não esquecer uma coisa de criança, mas a verdade é que aquilo virou uma verdadeira obsessão para o jovem. Nunca comentava nada com ninguém, mas estava sempre testando a mente para ver se ainda se lembrava da beleza daquelas peças.
Michel ganhara muito dinheiro junto com o pai plantando soja. Era agora um homem rico, estava com 30 anos e continuava solteiro. Sempre que viajava a grandes cidades como São Paulo, Michel percorria todas as grandes casas de materiais de construção, aquilo era inevitável.
Quando o rapaz tinha um tempo disponível, quase que automaticamente estava à procura desse tipo de comércio, procurava em todas as lojas mas nada de encontrar azulejos iguais, ou pelo menos parecidos. Estaria ficando louco? Pensava. Aquilo não poderia ser normal.
Preocupado, um dia procurou falar com um amigo que era psicanalista, este lhe falou em termos médicos ele quase não entendeu nada, porém ficou mais aliviado quando o amigo lhe disse que não havia nada de errado com sua cabeça.
Um belo dia Michel viu apavorado que já não tinha tanta certeza de como eram seus azulejos, puxou pela memória e nada. Aquilo para ele era terrível. Resolveu então fazer uma viagem ao Rio Grande do Sul. Queria visitar a cidade onde nascera seus pais não quiseram ir com ele de modo que uma semana depois o rapaz pegava a estrada.
Michel chegou a Itaqui de madrugada, conseguiu um hotel e dormiu até tarde do outro dia. Fazia muito frio, quando o rapaz acordou. Viu que caía uma fina chuva.
Uma hora depois ele pedia para que lhe chamassem um táxi, e saia dali dando ao motorista o endereço do solar dos Ferrantes.
Quando o carro parou no local indicado, a primeira decepção quase faz o moço chorar, pois a grande construção agora não passava de uma tapera… até pequenas árvores nasciam dentro da casa! As grandes salas eram ocupadas por alguns mendigos, muito lixo amontoado por todo lado…
O motorista, um homem já bem idoso, perguntou:
- Está certo seu endereço moço?
- Sim! - respondeu o outro - É aqui mesmo. O senhor conheceu a família que morava aqui?
- Bem, aqui morou a Família Ferrantes, mas isto há muito tempo… todos já morreram depois isto virou um empório, e tempos depois foi uma pensão, até que ficou neste estado.
- O senhor sabe a quem pertence agora? - perguntou o jovem.
- Sei! É uma firma de Porto Alegre, só não sei o nome. Ouvi por acaso uma conversa dias atrás no cartório.
- Bem eu vou dar uma olhada ai dentro!
O motorista vendo as roupas do visitante, de terno e um belo, sobretudo azul, disse:
- Moço isto ai está uma verdadeira latrina, como pensa entrar num lugar assim?
E desceu primeiro fazendo uma inspeção rápida, voltou dizendo:
- Não dá mesmo, não vai poder entrar ai.
Michel vira que quatro homens muito mal vestidos bebiam cachaça na sala da casa e pensou: - “Como pode?!” - Lembrava-se que estivera poucas vezes ali.
Via sempre um homem velho, muito branco, usava suspensórios que estava sempre sentado em uma poltrona muito bonita, geralmente lendo um jornal ou um livro, agora o que se via era umidade e mofo por todo lado, além de muita sujeira pelo chão.
- E se eu pagasse a esses homens para fazerem uma limpeza bem feita, será que eles fariam? - perguntou Michel ao motorista.
- Com certeza, quer posso falar com eles, e o senhor volta daqui a algum tempo.
- Quero sim, pode fazer isto?
- Pode deixar comigo. - Antes, porém o homem perguntou intrigado: - O senhor pertence àquela família?
- Não senhor, é uma longa e estranha história, se quiser eu lhe conto enquanto visitamos outros lugares.
- Claro que quero, se o senhor não se incomodar.
E foi falar com os homens que bebiam no gargalho de um litro de pinga, quando voltou disse: - Tudo certo! vão começar imediatamente! farão uma limpeza geral, vamos ter que lhes comprar umas vassouras, um forte desinfetante e mais algumas coisas, aqui perto há um mercado onde podemos fazer isto.
- Foram, compraram tudoe voltaram. A curiosidade de Michel não o deixou esperar. Pediu para que um dos homens desse uma olhada na cozinha para verificar se ainda estavam ali os azulejos, o homem sumiu no meio da sujeira, e o coração do rapaz mudou o compasso. Minutos depois o homem voltava anunciando:
- Ainda tem bastante azulejo moço, muito bonito por sinal.
A alegria voltou ao rosto do homem. Saíram dali e Michel até se assustou por não ter procurado primeiro a casinha onde moravam, deu o endereço e quando lá chegaram nova surpresa, lá estava ela, agora mais bem cuidada, bem pintada, um belo jardim na frente, e do lado um gramado muito bem aparado…
- Era aqui que eu morava, acho que nasci nesta casa! - e antes que o motorista lhe perguntasse por que então o interesse no velho casarão, Michel começou a lhe contar sua história. No final o homem não entendeu nada.
Voltaram ao velho solar três horas depois e os bêbados tinham feito uma bela faxina, estava tudo lavado e até o fedor de fezes havia sumido. Michel pediu para entrar sozinho na cozinha da velha casa, tinha medo de começar a chorar na frente daqueles desconhecidos. E foi o que aconteceu. Com o coração aos pulos ele ultrapassou o umbral da porta da cozinha.
Lá estavam eles, apenas os mais altos restavam, mas estavam intactos, apesar de muito sujos.
Michel viu de repente em sua imaginação, D. Alonia vestindo seu vestido longo, azul muito claro, com uma terrina de porcelana muito fina atravessando aquele local, ela sorria para ele, não conseguiu se conter e começou a chorar. Não sabia quanto tempo ficou ali com seus pensamentos, quando voltou os homens conversavam lá fora, perguntou para os homens quanto lhes devia, eles deram o preço e Michel lhes deu muito mais.
Virou-se para o motorista dizendo: - Vamos ver se descobrimos a quem pertence isto aqui, gostaria de comprar os azulejos que sobraram na cozinha.
- Amigo, poderia até ficar rodando com o senhor por ai, mas não vamos encontrar essa pessoa, portanto se o senhor quiser, posso me encarregar de arranjar alguém que lhe tire esses azulejos, com certeza ninguém vai reclamar por eles, enquanto isto o senhor pode fazer o que bem quiser o que acha?
Após recomendar o maior carinho com o trabalho, Michel concordou com o homem que disse se chamar Romeu, e pediu que o deixasse num restaurante. Como era muito cedo para o almoço, mandou que o motorista encomendasse o trabalho e voltasse ali para almoçar com ele.
Michel ficou muito feliz mesmo foi quando o homem contratado por Romeu se apresentou com uma caixa lhe trazendo 296 azulejos intactos, já limpos parecendo novos. O motorista do táxi notou a emoção daquele homem quando este segurou uma das peças, novamente lágrimas lhes desciam pela face.
Antes de regressar a sua cidade, Michel foi ao cemitério da cidade e conseguiu encontrar o túmulo daquela nobre família, viu as fotos amareladas. D. Alonia estava sorrindo! Era bem mais nova ali… como era bela!... mais uma vez não segurou as lágrimas.
Michel deixou Itaqui com seu tesouro, deixando para trás uma história que era contada pelo taxista a todos que encontrava, era incrível aquela história. Que estava apenas começando.
De posse dos azulejos, Michel começou uma verdadeira pesquisa para descobrir tudo sobre eles, agora sabia que não era louco, algo muito forte o atraía naquelas pequenas peças, não era só a beleza dos mesmos. Ele não sabia o que era, mas iria descobrir.
Numa viagem a São Paulo, levou um dos tais azulejos, colheu todas as informações possíveis, terminou num antiquário. Este, um homem muito idoso, examinou a peça e depois de um pesado silencio levantou os olhos e disse:
- Muito antigo moço, deve ter sido fabricado no século 18, o senhor já verificou se não há nenhuma inscrição atrás, sempre tem alguma coisa, muitas vezes a olho nu não se nota, mas um exame mais apurado nos revela até quem os fabricou.
Michel não havia pensado nisto, procurou saber quem poderia fazer isto e lhe indicaram o laboratório de uma grande faculdade.
Ele não perdeu tempo, e conseguiu o que queria, duas horas depois tinha o resultado da pesquisa: - Marselha, França 1834 e ainda o nome da empresa fabricante.
Michel não ficava o tempo todo procurando pistas sobre seus azulejos, porém vale dizer que qualquer tempo que tinha disponível, ou qualquer assunto que se relacionasse com o assunto, ele ia até o fim.
Através da internet começou mais uma procura, entrava em sites da França à procura da tal fábrica de azulejos, mas nada! Tempos depois conheceu um amigo virtual que prometeu ajudá-lo.
Consultou um pesquisador e descobriu um museu em Paris onde talvez o amigo elucidasse suas dúvidas. Michel, mais uma vez, não teve dúvidas. Assim que terminasse a colheita iria fazer uma viagem a Europa, aliás, um antigo sonho seu.
Meses depois o rapaz embarcava para a França, fizera um curso intensivo de francês. Chegou e ficou maravilhado com a cidade luz. Dois dias depois, após visitar o Louvre e enfim ver de perto outro sonho seu a “Mona Lisa” começou novamente sua penitência… à procura que já durava anos.
Procurou o tal museu que seu amigo informara e o encontrou. Milhares de azulejos… inclusive o seu!
Foi para uma biblioteca e ali descobriu quase tudo o que queria.
O artista que desenhara aquela peça era também o proprietário da fabrica, ali dizia inclusive que faliu por não modernizar seu produto, que por muitos anos produziu em sua fábrica praticamente aquele azulejo. Parecia uma paixão.
Descobriu também que havia pessoas daquela família que residiam em Marselha. Foi mais uma longa viagem, mas ele não se abateu, três dias depois voava para a cidade tão antiga.
Ai sua procura foi mais fácil, a família era muito conhecida na cidade, Michel não teve problemas para encontrá-la, era a família Girard Gospin.
Parte dessa família morava em uma quinta fora da cidade, porém não muito longe.
Michel alugou um carro e foi pedindo informações até que encontrou o local, muito bonito por sinal, na margem de um rio. Havia ali vários bosques muito verdes e muitas plantações que ele desconhecia, depois ficou sabendo que eram beterrabas, nunca vira tantas.
Chegou à casa indicada. Era muito grande, praticamente toda de pedras, uma espécie de chácara em nossa terra porém muito bonita. Digna de um cartão postal.
Não parecia haver alguém em casa, Michel bateu palmas, chamou e nada, ficou por ali admirando a beleza do lugar e esperando. Um cachorro muito grande latiu e apareceu… ainda bem que não era bravo.
Enquanto não aparecia ninguém, tentava fazer amizade com o animal tentando lhe descobrir a raça, no final achou que era vira-lata francês.
Menos de meia hora viu um carro que se aproximava pela estrada por onde viera, veio direto até a casa, parou e dele desceu uma moça, muito bonita: Alta, cabelos longos, vestia uma roupa grossa, pois fazia muito frio, usava luvas e botas de cano alto.
- Bom dia! - cumprimentou sorridente - Em que posso ajudá-lo? espero que não esteja esperando há muito tempo. - disse ela com bastante simpatia.
O rapaz respondeu o cumprimentou e também sorrindo lhe disse que tinha vindo de muito longe, para reclamar por esperar alguns minutos. E ainda fizera amizade com o cachorro.
- De onde veio? - perguntou ela sorrindo e mostrando uma perfeita dentadura, além de um belo sorriso.
- Do Brasil - respondeu o rapaz. A moça que se apresentou com o nome de Anne Marie fez um gesto de espanto, e depois perguntou o que fazia tão longe do seu país.
Convidou Michel a entrar, dizendo que logo seus parentes estariam ali.
Michel entrou e sentou-se, a sala era ampla e muito bem decorada, mas o que mais lhe chamou a atenção foram os retratos na parede, a maioria óleos antigos e muito bem pintados.
A moça sentou-se a sua frente e começaram a conversar, Michel foi direto ao assunto que o levara até ali. Contou toda história desde o tempo de menino, sua paixão à primeira vista pelos azulejos, depois que aquilo jamais lhe saíra da mente. A moça ouvia a tudo com muita atenção.
Depois Michel retirou de uma pasta um exemplar e passou as mãos dela, esta olhou carinhosamente para ela e disse sorrindo:
- É! isto aqui foi desenhado e fabricado pelo meu bisavô, temos aqui um verdadeiro museu dessa história, minha família já não fabrica mais nada há muito tempo, hoje não somos mais ricos, eu sou professora e moro com meu pai, minha mãe e uma tia, mas não nos queixamos de nada.
Depois de ouvir a história Anne se levantou e apontando um grande quadro pintado a óleo, disse:
- Eis aqui quem o senhor procura! - Michel deu um salto da poltrona, e nem diante da Mona Lisa se emocionou tanto. Ficou um tempão ali parado sem dizer nada, olhos fixos naquele homem… parecia conhecê-lo, mas não sabia de onde, e é claro que nunca o tinha visto, mas tinha essa nítida impressão.
- Como era seu nome?
- Jean Pierre Gospin! - o nome sim, esse não lhe representou nenhum sentimento.
Duas horas de conversa e Anne estava realmente espantada com a história do rapaz, pois segundo ele mesmo, não teria nenhum lucro com todo aquele trabalho, sua única intenção era descobrir a atração que tinha por tudo aquilo.
Chegaram às outras pessoas da casa, Michel foi apresentado, a moça contou aos parentes de onde ele tinha vindo e com que interesse como estava na hora do almoço foi convidado a almoçar com a família, não pôde recusar e após o almoço, a moça o levou a uma espécie de sótão que havia na casa, com muitas prateleiras e velhos baús.
Começava a nascer entre os dois uma gostosa intimidade, Michel começou a se sentir muito bem ao lado daquela linda moça.
Começaram suas pesquisas, velhos papéis, esboços, desenhos, anotações, e foi justamente quando a moça lhe mostrou um velho e amarelado papel escrito pelo bisavô que Michel deu um verdadeiro grito: Em português ele disse: - Meu Deus!!!! - a moça se assustou e sem entender nada perguntou – O que foi? você está bem?
O rapaz muito pálido, não conseguia falar. A moça então gritou para a mãe que subisse e levasse um copo com água, pois pelo jeito o rapaz não se sentia bem.
D. Catherine correu assustada, com a água, assim que ele a tomou, ainda levou alguns segundos para recuperar parecendo em estado de choque, o pai da moça também correu ao local, falavam todos ao mesmo tempo tentando chamar a atenção do rapaz.
Minutos depois o rapaz ainda muito pálido e tremulo conseguiu dizer: - Não pode ser! Eu estou ficando louco, agora sim, acredito nisto! não pode ser!!!
Mas não dizia o que é que não podia ser! Os outros, apreensivos, insistiam: - O que não pode ser amigo? O quê???
Com uma expressão totalmente estranha no rosto Michel apontou o papel em cima da mesa e gritou:
- Esta é a minha rubrica, tenho certeza disto, quando voltarmos ao Brasil eu lhe mostro, todos os papéis rubricados por mim. Não pode ser verdade! Não pode!!
A moça mais espantada ainda franziu a testa perguntando: - O senhor disse “quando voltarmos” ao Brasil? E olhava para mim… não vou para o Brasil amigo, apesar de ter muita vontade de conhecer seu país.
- Não sei por que disse isto, desculpe, mas saiu sem eu querer.
Viram que tinham que tirar o rapaz dali precisava se acalmar. Se necessário até chamar um médico
O que aquela família não sabia, é que tudo mudaria dali para frente, pois como Michel não tinha data para voltar a sua terra, foi ficando e sempre junto da moça, o certo é que nasceu entre eles algo muito bom, que logo descobriram que o nome era amor.
Pode parecer fantasia, mas dois meses depois Anne Marie embarcava para o Brasil para conhecer os pais do seu namorado, adorou o Brasil e os pais do rapaz. Assim que chegaram a sua casa, e como o rapaz fizera questão de trazer o papel que quase o matara de susto, ai foi a vez da bela francesa ficar sem fala por longo período, quando viu as duas rubricas lado a lado. Não havia dúvidas era a mesma.
Michel e Anne Marie se casavam nove meses depois, tinham certeza que se amavam. Para surpresa do rapaz, sua esposa lhe deu uma agradável surpresa ao pedir para passar a lua de mel em Itaqui, origem de tudo, se apaixonou pela cidade e ali quis morar.
Michel comprou o velho solar, o reformou e os azulejos voltaram ao seu antigo lugar para sua total felicidade.
Para as famílias ficou uma história de amor muito linda e para o rapaz o prémio pela sua persistência em resolver aquele dilema.
Fica-nos uma dúvida: Apenas uma grande coincidência, ou algo mais profundo por trás de tudo isto?
Depois do casamento acabou-se a obsessão do rapaz pelos azulejos, continuava agora apenas os achando muito bonitos, o que era totalmente normal.
Tempos depois dormia tranqüilamente quando teve um sonho: Era um garoto novamente e brincava com outro menino, este usava uma boina muito grande e caída para um lado. Brincavam animadamente em um belo jardim, quando ouviu a mãe do colega gritar:
- Vallery onde está você? Tudo isto em francês, e o garoto respondeu:
- Estou aqui no jardim mamãe, brincando com Jean Pierre Gospin.
Para Michel, isto elucidava tudo.
A Fonte da Perfeição.


A FONTE DA PERFEIÇÃO
J. Norinaldo. Conto.

Abel era um homem inconformado com a vida. Achava-se feio e pouco inteligente, por isso gastava a maior parte do seu tempo pensando porque tantas pessoas se sobressaiam pela sua beleza, outros, não tão belos, pela sua inteligência, e porque ele nascera tão comum. Como gostaria de ser perfeito. Quando passava pela rua somente as poucas pessoas que o conheciam o cumprimentavam, e ele sabia que aquilo era um gesto mecânico, não havia satisfação, empolgação ao faze-lo. Enquanto que, por outro lado, existiam pessoas que viviam a milhares de quilômetros da sua cidade, que jamais viriam até ali e, no entanto, eram conhecidas e admiradas por todos.
Assim vivia Abel, sempre pensando na perfeição, na beleza, na fama. Em riqueza não pensava muito, mesmo porque sabia que, se fosse perfeito, esta acabaria sendo incluída.
Tinha 30 anos, não era pobre, mas também não era rico, enfim, não podia se queixar. Continuava solteiro, talvez esperando encontrar a perfeição para depois decidir casar. Não era bonito, mas também nunca assustara ninguém, e por muitas vezes notou que havia garotas na sua cidade interessadas nele, porém ele não lhes dava chance. Sonhava com a perfeição.
Tinha poucos amigos, pois ninguém agüentava por muito tempo suas lamentações por não ser bonito e perfeito.
Um dia Abel saiu de sua casa e resolveu caminhar até onde pudesse. Pegou uma estrada de chão e foi, perdido em seus pensamentos (que quase sempre eram os mesmos), seguindo com um alforge com algum suprimento para sua viagem.
Caminhou por três dias, até que chegou a um lugar muito bonito, onde tudo era verde e grandes plantações se perdiam no horizonte. Ele admirava tudo e pensava: isto sim é perfeito! A natureza é perfeita! Tudo é perfeito, menos eu.
Estava cansado e com muito sono. Parecia dormir andando.
Numa curva da estrada, Abel viu uma frondosa árvore e que junto a ela havia alguém sentado. Apressou o passo, pois já estava há muito na estrada sem ter com quem conversar.
Foi se aproximando e quando pode distinguir bem de quem se tratava, viu que era um velho, muito velho, cabelos totalmente brancos e com uma longa barba também muito branca. Que fazia um homem naquela idade sozinho pela estrada? - pensou. Chegou mais perto e o saudou com um "boa tarde" (falou bem alto, pois pensou já dever ser surdo). O homem levantou os olhos, olhou para ele e respondeu com voz firme:
- Boa tarde, não quer sentar-se e descansar um pouco, à sombra? Aqui está uma delicia.
Abel sentou-se em uma pedra e começaram a conversar. O homem velho perguntou qual era o destino do rapaz, e este lhe respondeu que não tinha destino certo, que estava apenas caminhando sem rumo.
- Mas, sempre estamos buscando algo na vida. O que, na verdade, você procura meu jovem?
Abel teve então a chance de falar do seu assunto favorito. Disse ao homem que não se considerava bonito nem inteligente, que nunca se sobressaíra em nada e que, portanto, não era perfeito. Isto era o que buscava, encontrar a perfeição.
- Então, meu caro jovem, o destino guiou seus passos ao lugar certo. Posso ajudá-lo. Conheço o que você está procurando.
- Como assim? - surpreendeu-se Abel - o senhor sabe como eu posso encontrar a perfeição?
- Exatamente. Posso lhe indicar o caminho, onde você pode se tornar perfeito, como sempre sonhou. Mas, tem uma condição.
Abel olhou incrédulo para o velho e pensou: _ Ora, se soubesse realmente onde buscar a perfeição, seria ele um velho já no fim da vida?
Não acreditava numa só palavra do velho, mas mesmo assim prosseguiu com a conversa.
- E qual seria essa condição? - perguntou, fingindo interesse.
- Terá que ensinar depois esse caminho a todas as pessoas que realmente precisam da perfeição.
- Tudo bem. Eu aceito. Ensine-me o caminho e diga o que terei que fazer. Fica muito longe daqui? - perguntou.
- Não fica muito longe. Existem grandes atalhos por onde você logo chegará.
Abel pensou consigo mesmo: estou caminhando sem rumo, não me custa nada seguir a loucura desse velho, que deve ser caduco.
O velho lhe indicou o caminho a seguir, lhe deu algumas referencias e se despediu do rapaz, seguindo seu caminho. Abel se espantou com a firmeza dos seus passos.
Partiu, então, em busca da tão desejada perfeição e, em menos de seis horas de caminhada, encontrou a primeira referência dada pelo velho. Animado, prosseguiu sem sentir cansaço mais algumas léguas e chegou ao local indicado. Havia um grande portão de pedras (muito estranho àquela construção). Ao lado viu uma pequena guarita e um homem que parecia montar guarda ali.
Aproximou-se, deu boa tarde e explicou o que procurava. O homem, calmamente, lhe respondeu:
- Está no lugar certo amigo. Entre e logo à frente o receberão.
Completamente atônito, o rapaz seguiu por um estreito caminho, avistou uma casa de pedra e para lá se dirigiu; foi recebido por um senhor muito simpático, que o convidou a entrar e, após sentar, Abel contou como chegara até ali.
Foi informado que não precisava pagar absolutamente nada, teria apenas que ter fé e se banhar numa fonte ali existente.
Achou tudo muito fácil para ser verdade, mas se não cobravam nada, não podia ser mais um caso de charlatanice.
O homem, que se apresentou com o nome de João ao recebê-lo, bateu palmas e apareceu uma jovem a quem chamava de Raquel.
- Leve o visitante até a fonte - ordenou.
A mulher, sem dizer nada, apontou o caminho a ser seguido e saiu na frente.
Abel a seguiu com o coração aos pulos. Ele não cabia de felicidade, pois pelo jeito o velho estava certo e em fim, ele iria ser uma pessoa perfeita, conhecida e admirada por todos.
Caminharam alguns minutos por uma estradinha muito estreita, atravessaram um pequeno e lindo bosque, cheio de flores e pássaros, mas Abel não via nada, sua preocupação era outra.
Chegaram finalmente à fonte e Raquel se virou para ele dizendo:
- Pronto, chegamos. O que tem que fazer agora é entrar na fila e aguardar sua vez. Não tem mistério, quando chegar sua vez é só parar embaixo da fonte e, enquanto se banhar, o senhor deve pedir para ficar perfeito, pela Graça de Deus.
Dizendo isto a mulher voltou pelo mesmo caminho.
Abel então viu que uma grande fila se formava até a fonte, que era muito bonita, de água que jorrava de uma grande pedra escura formava a figura de espectro que não conseguiu identificar. Quando viu as pessoas que formavam aquela fila tomou o maior susto. Uma mulher tinha nos braços uma criança com a cabeça bem maior que o corpo. Que coisa horrível! Seguindo a fila, ele viu um homem com uma ferida que já lhe comera a metade do rosto e só tinha um olho. Mais na frente, uma moça não tinha braços nem pernas.
A cada passo que Abel dava mais apavorado ficava. Viu uma moça que, olhando por trás parecia perfeito, um corpo muito bonito, porém quando chegou a sua frente, quase caiu de costas: a moça só tinha um olho e um buraco no lugar do nariz. Algumas pessoas choravam muito ou gemiam alto.
Abel pegou o caminho de volta e se dirigiu novamente para a casa da trilha e lá encontrou João e Raquel, que atendiam mais pessoas sofredoras. Ele aguardou e quando estes puderem falar, João perguntou:
- Mas, foi tão rápido, o que houve?
Abel então olhou para o homem e disse:
- Meu amigo, eu não preciso daquela fonte. Fui egoísta o tempo todo comigo mesmo, pois nunca me preocupei com os problemas do meu próximo; a minha vaidade e egoísmo nunca me deixaram ver que existem pessoas com problemas bem maiores e que se não fosse meu egoísmo, eu poderia me sobressair como sempre sonhei ajudando essas pessoas - disse revoltado, continuando em seguida - Não me banhei na fonte, porque descobri que sou perfeito. Eu sempre fui fisicamente perfeito, minha mente é que estava atrofiada - constatou - mas foi muito boa minha visita aqui, pois agora que realmente consegui ver a imperfeição e que sou e sempre fui perfeito, já sei muito bem o que fazer.
- E podemos saber o que o amigo resolveu fazer a partir de agora - perguntou João.
- Claro! Primeiro pedir perdão a Deus pelas minhas blasfêmias, perder a mania de querer me sobressair e recuperar o tempo que perdi dizendo bobagens sobre perfeição, pois era a única coisa que fazia. E a partir de hoje, vou sair pregando esta lição que aqui aprendi, e tentar ajudar aqueles que realmente precisam de ajuda. Agora eu sei que nunca fui capaz de olhar para trás e que sofria tanto com o sucesso dos outros que me tornei incapaz de construir o meu próprio. Agora não quero mais tomar seu tempo, amigo, sei que é uma pessoa muito ocupada. Muito obrigado e adeus.
Abel acordou assustado. Estava sentado sob aquela árvore. Olhou em volta para ver se encontrava o velho, mas tudo fora um sonho, mesmo que não lembrasse de ter dormido. Sonho ou não, estava muito real em sua mente e cumpriria a promessa que fizera, pois sabia que aquelas pessoas que vira na fila da fonte eram apenas parte de um sonho, mas que nosso mundo estava cheio delas e que precisavam de ajuda.
Abel voltou a sua cidade. Uma semana passou e ninguém o reconhecia. Tempos depois ele era visto com uma multidão a sua volta enquanto ele pregava a Palavra de Deus, sem "ter igreja" nem cobrava nada, pelo contrário, ajudava no que podia as pessoas necessitadas. Nunca esqueceu o velho do sonho (não tinha certeza, mas achava que sabia quem era).

domingo, 8 de março de 2009



O LIVRO E O LAÇO

Gabriel era um homem humilde. Casado, não tinha filhos… mas Gabriel tinha um sonho: Escrever um livro.
Porém como não concluíra nem o primeiro grau, e achava que para ser escritor tinha que ser uma pessoa formada, ia adiando seu sonho, pensando em um dia continuar seus estudos e aí sim, o realizaria..
Um dia Gabriel teve a felicidade de conhecer um escritor, homem culto e que já tinha vários livros editados… numa conversa com o escritor, Gabriel manifestou sua intenção de um dia escrever um livro, porém dizia que como seus estudos eram muito poucos, esperaria mais, pois ainda era jovem e podia muito bem voltar à escola.
O homem o escutou pacientemente e depois lhe disse: - Então o senhor acha que para ser escritor é preciso ser muito estudado? Imagine se todos os doutores e professores fossem escritores a quantidade de livros que teríamos. O senhor nunca pensou nisto? De onde lhe surgiu à idéia de escrever um livro?
- Bem, eu tenho lido muito, tudo o que consigo para ler, gosto muito da leitura, e pensei que poderia escrever alguma coisa, aliás, já escrevi muito, só nunca me animei a mostrar para alguém, ainda tenho conhecimento de que também não custa pouco editar um livro, e eu sendo pobre e sem conhecimentos seria quase impossível minha tarefa. Por isto vou adiando meu sonho até não sei quando…
- É outro ponto importante - disse o escritor - se todas as pessoas com posses pudessem escrever um livro, muitos seriam editados, mas não é assim, e justamente por isto, caso o senhor venha a realizar o seu sonho, é isto que valorizará sua obra, desde que realmente tenha conteúdo é claro. O senhor não que me mostrar algum trabalho seu?
- Quero sim, com muito prazer, e será muito bom para mim ter a opinião de quem realmente entende do assunto, vou lhe trazer algo que escrevi recentemente, e espero sua opinião sincera.
E assim fez, trouxe alguns contos que havia escrito e deixou com o escritor.
Dias depois recebia um recado para comparecer à casa do mesmo. Muito ansioso foi imediatamente.
O que ouviu sobre o seu trabalho o deixou louco de felicidade. O homem foi logo lhe dizendo: - Seu trabalho é muito bom, seu imaginário, excelente, não posso lhe dizer o mesmo da sua escrita, mas isto é algo secundário, mesmo bons escritores precisam de alguém que corrija suas obras. Mas pelo material que tenho comigo, o senhor pode muito bem escrever o seu livro.
Gabriel saiu da casa do escritor parecendo ter ganhado o grande prêmio e começou a escrever seus contos, em poucos meses tinha material suficiente para um livro. Começou a fazer propaganda do seu livro, a maioria dos amigos e conhecidos riam muito depois que ele saía mas ele fora preparado pelo escritor para este tipo de situação e estava, portanto vacinado.
Um ano depois Gabriel lançava seu primeiro livro, com muito sacrifício, com a ajuda do escritor, que preparou tudo para ele sem lhe cobrar nada, só não lhe deu nenhum dinheiro.
Quando Gabriel recebeu da editora os seus 525 livros com 100 páginas cada, não perdeu tempo e saiu às ruas para vender sua obra.
Não foi fácil. Mas vários amigos e conhecidos compraram o livro, e eles mesmos fizeram a propaganda gratuita, pois eram muito bons mesmo os contos de Gabriel.
Em menos de um mês Gabriel vendia sua primeira edição. Com o dinheiro mandou fazer mais 1000 livros, e como da primeira vez saiu à rua a vendê-lo.
Estava Gabriel parado numa movimentada esquina, com alguns livros nas mãos oferecendo aos passantes, já havia vendido alguns e era cedo ainda, quando de repente surgiu na sua frente um gaúcho ainda jovem, carregando vários laços e cordas de couro cru muito bem trabalhadas.
O homem parou a sua frente e perguntou: - Não quer me comprar um laço? eu mesmo os faço, são de primeira, pode ver. - E separando uma das cordas mostrou a Gabriel.
- Não, obrigado amigo. - Respondeu este - Vejo que é coisa boa, mas para mim não teria nenhuma serventia, eu sou escritor, ou melhor, escrevi este livro e também estou vendendo. Como o senhor eu mesmo o fiz, não sei se é de primeira, pois é bem diferente do laço, depende do ponto de vista de quem o ler. E o senhor não quer me comprar um livro?
- Não, obrigado amigo, seu livro não me teria nenhuma serventia também. Não quero dizer que ele não seja de primeira, é que sou analfabeto, portanto ele seria para mim, o que o laço é para o senhor, isto é o senhor não sabe usar e nem precisa do meu laço e o seu livro também não me serve para nada.
Gabriel pensou rápido sobre a resposta do homem e disse: - Talvez não seja assim, o que o senhor acha de fazermos uma troca, eu fico com um laço e lhe dou um livro em troca, quem sabe não possamos mudar as coisas e no futuro possamos nos encontrar com idéias bem diferentes a respeito do laço e do livro?
O homem o olhou espantado com a proposta, coçou a cabeça e de repente disse: - Topo, escolha o laço, e me dê o livro. Meu nome é Albano Lanski e o seu?
- Gabriel Romano disse o escritor, lhe dando um livro.
- Bem lhe desejo boa sorte nas vendas e até um dia! - disse o homem dos laços se afastando.
Gabriel pegou o laço, colocou sobre a caixa de papelão onde se encontravam seus livros, e voltou à sua tarefa interrompida. Quando chegou em casa, sua esposa estranhou o artefato que trazia, e Gabriel lhe contou o estranho dialogo assim como a troca que havia feito. Sua esposa riu muito e fez algumas comparações do tipo:
- Imaginem um analfabeto sentado em uma cadeira olhando para o seu livro. Enquanto isto você aqui no quintal tentando laçar algo com isto ai!!
Gabriel não lhe deu muita atenção e guardou bem guardado seu laço.
Cinco anos depois uma grande editora lançava o quinto livro de Gabriel Romano. Este agora não precisava mais vender suas obras pelas calçadas, era um escritor conhecido e famoso, sua vida mudara completamente, exceto numa coisa, Gabriel continuava a pessoa simples que sempre fora, agora tinha dinheiro, fama, aumentara muito o número de amigos e admiradores, mas isto não mudara em nada seu caráter.
Gabriel sentiu a necessidade de um lugar sossegado onde pudesse escrever, descobriu uma fazenda muito bonita nas proximidades da sua cidade e a comprou. Montou tudo ao seu gosto e passava dias, semanas e até meses ali escrevendo.
Criava gado de leite. Aprendeu a montar e às vezes saia pela fazenda em seu cavalo em busca de inspiração, e para espanto dos peões fazia questão de levar sempre consigo aquele laço, pois todos sabiam que se tentasse manejá-lo, o máximo que conseguiria seria laçar a si mesmo. Mas já sabiam, quando o patrão mandava preparar seu cavalo, não podia faltar o laço pendurado na sela.
Na verdade ele nunca esquecera o homem com quem fizera a tal troca, não lembrava mais as suas feições, já se passara muito tempo, mas sempre pensava nele.
Um belo sábado, Gabriel pediu seu cavalo para mais um dos rotineiros passeios pelo campo e bosques da fazenda, foi prontamente atendido. Montou e saiu, passeava pensativo pela margem do rio Uruguai que fazia divisa com sua fazenda, quando de repente ouviu gritos de desespero e barulho na água. Tocou o cavalo e chegando a margem do rio, viu que um casal se afogava, um tanto longe da margem. Desesperado se lembrou que não sabia nadar, viu os jovens agarrados um ao outro e morreriam em minutos caso não tomasse uma atitude rápida.
Gabriel lembrou-se que o cavalo é bom nadador, entrou com o animal no rio, para seu desespero viu que não chegaria até os jovens a tempo, pois estes iriam afundar logo e não retornariam mais. Lembrou-se do laço e imediatamente desenrolou a longa corda e a atirou em direção ao casal.
Para sua total felicidade a corda caiu muito próxima e o jovem a segurou, Gabriel então tocou o cavalo em direção à margem do rio com o coração aos pulos, sentia o peso na corda. Conseguiu salvar os jovens graças àquele laço de que dissera para o homem que tentava lho vender, que não teria nenhuma serventia.
Assim que os jovens se viram livres da morte certa, começaram a se arrastar para fora d 'água, Gabriel pulou do cavalo e foi socorrê-los. Por sorte não haviam bebido muita água.
Gabriel os colocou sobre o cavalo, levando-os para sua fazenda imediatamente, ali foram socorridos e em pouco tempo podiam abraçar, chorando, seu salvador.
Eram filhos de fazendeiros vizinhos, Gabriel foi tratado como herói e tempos depois aqueles jovens se casavam, Gabriel não pôde recusar ser o padrinho do primeiro filho do casal, era uma linda menina, e as famílias se tornaram muito amigas.
Depois disso, Gabriel já não usava aquele laço quando saía em seus passeios, usava outro. Para aquele, ele mandou fazer uma caixa de madeira toda trabalhada, forrada com o mais fino veludo, e ali depositou o seu laço, que ficava em sua sala de troféus.
Gabriel resolveu escrever a história daquele laço, interrompeu outros assuntos e começou a escrever. Escreveu e editou um livro, muitos não entendiam muito bem o título, mas como o autor já era demais conhecido, este foi mais um sucesso.
17 anos após o estranho diálogo entre o escritor e o vendedor de laços, Gabriel havia chegado de uma viagem à Europa e se refugiara em sua fazenda para descansar. Um belo dia, parou em frente a sua fazenda um belo carro, dele desceu um senhor muito bem vestido, e pediu para falar com o dono da casa. Gabriel foi informado e mandou que o visitante entrasse..
- Espero não incomodá-lo, - disse o homem à guisa de saudação - Estive em sua casa na cidade e fui informado que poderia encontra-lo aqui. Como sei que chegou de uma longa viagem procurarei ser muito breve. Meu nome é… (e disse seu nome), sou um escritor em minha primeira viagem, e tenho muitos motivos para querer conversar com o senhor.
Gabriel pensou: claro quer saber a minha opinião sobre o seu trabalho, tomara que seja bom, lembrou-se de quando fora procurar o escritor para lhe falar do seu sonho.
- Sente-se meu amigo, fique a vontade, bebe alguma coisa?
- Não, obrigado, é muito cedo para mim.
- Bem, então estou a sua disposição.
- Amigo, não sei se lembra de mim, certa vez fizemos uma troca, um laço meu por um livro do senhor.
- Claro que lembro, aliás, escrevi um livro sobre o assunto, vou lhe dar um exemplar.
- Claro que aceito, disse o outro, apesar de já ter o livro, e foi justamente por causa dele que vim lhe procurar, acontece que eu também escrevi um livro, e é ai que está a confusão..
Gabriel não entendia nada, mas deixou-o continuar. - Continue, por favor - disse ele.
- O senhor pode estranhar o que vou lhe pedir, quero que dê um título para o meu livro, pois depois que eu o escrevi, vi para meu espanto que o senhor tinha escrito um livro quase com o mesmo título do meu. E abriu uma pasta retirando dali um livro que passou para as mãos de Gabriel, este olhou o nome do livro e ficou pálido: “O LAÇO E O LIVRO” o seu livro tinha como título “O LIVRO E O LAÇO”.
- Mas o senhor me disse ser analfabeto lembra? então não era verdade?
- Pura verdade senhor, o senhor ainda lembra do que me disse na época?
- Claro - respondeu Gabriel – Disse que poderíamos tentar inverter a situação…
- Pois bem: dias depois que troquei o laço pelo livro com o senhor, pedi a uma sobrinha que lesse o tal livro para mim, fiquei encantado com as histórias, e principalmente quando ela me disse que tudo aquilo era fruto da sua imaginação, tudo criado pelo senhor. Fiz com que ela lesse várias vezes o livro para mim, e pouco tempo depois eu entrava numa escola, fiz de tudo e aprendi, não foi fácil, mas valeu e escrevi esta história. Gostaria que o senhor a lesse e desse sua opinião. Tomei o maior susto quando encontrei na livraria seu livro “O livro e o Laço” eu já havia dado o nome ao meu, não sabia o que fazer, por isto vim procura-lo.
Gabriel, com os olhos marejados de lágrimas disse: - Não precisa mudar nada amigo, não é o mesmo nome, pode ser a mesma história contada em outra versão. Vou ler seu livro agora mesmo, se não tem pressa, gostaria que me fizesse companhia, também tenho algo para lhe mostrar.
E convidou o homem a ir a sua sala. Ali abriu a caixa e quando o outro viu o que havia lá dentro foi sua vez de se emocionar.
- E tem mais! após ler o seu livro, vou levá-lo a uma certa casa e o senhor conhecerá mais uma importante parte dessa história.
Gabriel leu o livro, muito emocionado ao final disse: - Fantástico amigo, fantástico, linda sua história, aqui o senhor mostra o poder que tem um simples livro, e logo eu vou lhe mostrar o que causou por aqui o seu laço, e que uma conversa e uma troca aparentemente sem nenhum fundamento, pois não é nada comum um escritor trocar um livro por um laço. Principalmente para alguém que nem sabe ler.
Almoçaram juntos e depois foram à casa dos compadres de Gabriel, que moravam numa fazenda não muito longe dali. Albano foi apresentado ao casal e logo ficou conhecendo a pequena Jéssica, uma linda menina moça. Gabriel disse então a Albano:
- Se não fosse a nossa maluca troca, talvez nenhuma dessas pessoas estivessem aqui agora - e lhe contou tudo. Depois contaram a história da troca para a moça, que também ficou muito emocionada.
O livro de Albano foi um sucesso, e este hoje é também um escritor renomado. Existe hoje na cidade onde moram uma editora que edita trabalhos de escritores que não têm condições de faze-lo, é a “Editora Laços de Sociedade entre Gabriel e Romano”.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009



O BRINQUEDO
J. Norinaldo.

Olegário era um homem simples. Nascera pobre, começara a trabalhar muito jovem ainda para ajudar o pai a manter a grande família; eram 7 irmãos, sendo quatro mulheres. Quase um menino foi empregado em uma padaria onde entregava pães em um cesto maior do que ele.
Casou-se com 19 anos com uma moça também de família pobre. Tiveram apenas um filho. Nesta época, Olegário trabalhava como padeiro na mesma padaria onde começara; ganhava o suficiente para viver. Não se queixavam, aliás, era a vida que conheciam.
O pequeno Genilson estava com sete anos e iria para a escola. D. Dalva já tinha tudo pronto. Economizara durante meses, mas o uniforme, e todo material escolar do menino estavam comprado.
Genilson era um garoto esperto, grande para sua idade, meigo e educado. Ia sempre à missa com sua mãe, e prestava muita atenção no que ouvia ali.
No primeiro dia, quando D. Dalva deixou o menino na escola, que não ficava muito longe, voltou para casa muito preocupada. Não parava de pensar como se comportaria o filho no seu primeiro dia de aula. Olhava toda hora para um relógio que havia na parede, e como demorava a passar as horas.
Enfim, chegou o momento de ir buscar o filho. Chegou mais cedo que todas as outras mães Quando liberou a criançada, ela viu com muito orgulho seu filho procurando-a com o olhar. Ele olhava por todos os lados. Quando a viu, saiu correndo demonstrando estar muito feliz.
_E aí, meu filho, gostou da escola, dos coleguinhas, das professoras?
_Adorei mamãe! Quero vir todos os dias agora, até aos domingos, depois da missa. D. Dalva deixou escapar uma lágrima diante do filho tão radiante. Chegaram à casa, e enquanto D. Dalva lhe preparava o almoço Genilson lhe mostrava o que aprendera naquele primeiro dia: um monte de rabiscos nos cadernos, mas para ele faltava muito pouco para se formar. A mãe ria de felicidade. Quando seu Olegário chegou do trabalho cansado e louco para tomar um banho, jantar e cair na cama teve que ficar um bom tempo ouvindo com muita paciência as histórias do primeiro dia de aula. Depois comentava com a esposa:
_Deus, o ajude a gostar de estudar para que mais tarde não seja igual a mim, burro de carga dos outros.
_Não se queixe, querido!_ dizia a mulher, pois caso tivesse estudado muito, seria hoje um homem rico. E como iria encontrar a jóia de esposa que encontrou? E deu uma boa risada.
_Nisto, você tem toda razão minha querida, toda, não estou me queixando, o que quis dizer é que não quero para ele o que faço hoje. Com todo esse calor, e eu horas e horas na frente daquele forno. Farei tudo que puder para que estude, e seja um doutor algum dia.
D. Dalva, era mais nova que o marido, estava agora com 25 anos, era uma mulher bonita e amava muito sua família. Não tinha grandes ambições, sabia o que o marido ganhava, e ajudava no orçamento da casa, fazendo pequenas peças artesanais, crochê e bordados.
Chegava o final do ano. Na escola, Genilson recebia elogios das professoras, pela vontade de aprender assim como, pelo seu comportamento. Os pais só faltavam estourar de tão felizes.
Como aos sábados seu Olegário não trabalhava, um dia pegou algumas ferramentas e pedaços de madeira e, montou uma pequena oficina no quintal de sua casa. D. Dalva perguntou o que iria fazer e este respondeu que faria um brinquedo para o filho, seria seu presente de Natal.
Começou sua obra, e ficou surpreso, pois nem mesmo ele sabia dessa sua habilidade. Foi juntando as peças e, de repente viu com surpresa que havia feito um lindo caminhão para o filho. Fez a cabine com latas de óleo, comprou tinta, pintou tudo, realmente ficou uma coisa linda. D. Dalva também se admirou da beleza do trabalho do marido. Guardaram e esperaram o natal.
Quando chegou o tão esperado dia, D. Dalva enfeitou com muito capricho um pequeno galho seco com algodão, papel brilhante e algumas bolinhas que ganhara de amigas. Genilson ficou muito feliz pela sua árvore de natal. Nesta noite não dormiu cedo como de costume. No outro dia não tinha aula, portanto, após a meia-noite quando pode abrir seu presente ficou estarrecido diante da beleza do carrinho que seu pai fizera com tanto capricho e amor.
De tanta felicidade o menino quase não dormiu aquela noite, queria mostrar pra todos os amiguinhos a obra de arte que o pai fizera para ele. Assim que amanheceu o dia, nem sequer esperou pelo café, pediu aos pais para ir brincar com seu caminhão.
Genilson, que sempre brincara com seus amiguinhos, ali, próximo a sua casa, talvez por inocência, caminhou um bom pedaço com seu caminhão embaixo do braço até a praça principal da cidade. Era ali que os meninos iriam brincar com seus brinquedos que Papai Noel trouxera. Foi um grande erro, que só um tempo depois ele viria saber.
De longe, já percebeu grande número de crianças aglomeradas na praça. Chegou, e foi logo mostrando seu brinquedo. Como ali brincava a nata da sociedade, os meninos quando viram o caminhão de Genilson, começaram todos a rir. O que é isto?- perguntavam quase em coro, e largavam seus brinquedos eletrônicos que saíam fazendo uma barulheira medonha, acendiam as luzes, outros com armas que davam rajadas e muitas luzes se acendiam. Um apontou sua arma para o caminhão do menino, que deu uma grande rajada; depois riram as gargalhadas.
_ Some com isto daqui! Que coisa mais horrorosa! E, um garoto mais ousado deu um chute no carro que entortou a cabine de latas. Genilson, uma criança que iria completar oito anos, não teve capacidade de raciocinar no momento, pensar que o pai fizera aquele brinquedo por não poder comprar um daqueles, que eram muito caros, nem no amor com o qual fizera aquele brinquedo. No momento, só pensava com muita raiva na vergonha que estava passando diante daqueles meninos. Algumas meninas também riam dele. Aquilo soava em sua cabeça como enormes sinos badalando, quase o deixando louco.
Pegou seu brinquedo e saiu em direção a sua casa, chorando muito porque o pai lhe fizera aquilo. Não queria mais aquele presente. No caminho, Genilson encontrou uma grande pedra, quase não conseguiu erguê-la; colocou o brinquedo no chão, e jogou a pedra em cima, esmagando-o.
Chegou à casa chorando, não falou com ninguém, correu direto para o seu quarto onde se trancou. D. Dalva foi atrás dele, e depois de gritar muito para que abrisse a porta, o menino obedeceu, e se atirou em sua cama de bruços chorando muito.
Ela vira que ele voltara sem o brinquedo. Só podia ser uma coisa: algum menino maior lhe tomara o carrinho.
_O que aconteceu meu filho? Alguém lhe tirou seu brinquedo? D. Dalva tomou um susto com a resposta do filho. Este levantou a cabeça, olhou para a mãe com os olhos fuzilando e disse:
_Não, mãe! Ninguém me tomou nada, ninguém quer aquela porcaria, todos riram de mim lá na praça por causa daquilo. Todos têm brinquedos bonitos, só eu apareci com aquela coisa, eu o esmaguei com uma pedra, não quero mais saber dele.
D. Dalva sentiu uma pontada no coração, nunca vira o filho falar daquela maneira, sentiu até certa dose de ódio na criança.
Esperou seu marido chegar, e lhe contou tudo. Olegário foi conversar com o filho. Este assim que viu o pai olhou de maneira nunca antes vista, e perguntou:
_ Porque os pais dos meus amiguinhos podem comprar aqueles brinquedos para eles? Porque tem que fazer os meus? Por que ?
_Filho eu vou lhe explicar bem direitinho o por quê. Preste muita atenção e não esqueça nunca o que vou lhe dizer. Os pais daqueles meninos, ou nasceram ricos ou estudaram quando eram meninos, por isto conseguiram bons empregos, altos cargos, enfim, são ricos. _ Seu pai quando era um pouco mais velho que você teve que trabalhar para ajudar seu avô a sustentar a casa, alimentar seus irmãos, por isto não teve oportunidade de estudar. Hoje, quando faz bastante calor e você vê as pessoas se abanando, ou reclamando que está quente, seu pai está na frente de um forno incandescente. Sabe pra que? Para que não falte o essencial em nossa casa, e para que você possa estudar. E, mais tarde quando seu filho lhe pedir um presente, você não precisar de tantas justificativas como estou fazendo agora. Entendeu, filho?
Se o papai não comprou pra você um presente como aqueles os quais viu na praça, não foi por você não merecer, é porque não tenho condições. Mas o carrinho que fiz pra você, era um caminhão carregado de amor. Mas, você o destruiu, seu brinquedo não seria feio, se tivesse ido brincar com os coleguinhas aqui da vila, veria que ia ser admirado. Mas foi brincar no lugar errado. Deus não fez todos iguais, filho, nem mesmo os dedos da nossa mão o são; veja,e mostrou a mão ao menino, que prestava atenção na conversa do pai. Você pode se considerar um gigante, se isto o faz feliz, mas terá que se conformar em viver entre anões. Pense bem que, quando jogou aquela pedra em cima do presente que fiz com tanto amor para você, naquele momento pensava esmagar seu pai também, por não ter lhe dado um presente como os dos meninos da praça. Pense bem, e não repita mais isto. Você cometeu o pecado da soberba, peça perdão a Deus, e para mostrar que não fiquei zangado, lhe farei outro brinquedo. Quer?
O menino, que apesar da pouca idade, entendeu tudo o que o pai falara, com os olhos brilhando de felicidade pelo pai não ficar zangado com ele disse:
_Quero, quero sim, papai, e nunca vou esquecer o que me falou agora.
Genilson saiu de casa logo em seguida, foi ao local onde deixara seu brinquedo destruído, e seus olhos adquiriram um novo brilho ao ver que ainda estava ali. Pegou o carrinho totalmente destruído, viu que não tinha conserto e levou-o para casa. Sem que seus pais notassem o menino guardou em seu quarto.
Seu Olegário foi até a praça onde muitos meninos brincavam, gostou de certo brinquedo, não sabia o nome, mas era uma espécie de patinete, com guidon e duas rodinhas, parecia que era o que a garotada mais gostava, pois havia muitos ali. Aproximou-se de um garoto, e pediu para ver o seu brinquedo; olhou, memorizou, elogiou o garoto e foi embora. Passou por uma oficina mecânica de um amigo, conseguiu dois rolamentos usados, de bom tamanho, chegou à casa, pegou suas ferramentas e começou seu trabalho. No outro dia, quando genilson chegou do colégio, seu patinete estava pronto.
O menino deu um grito de alegria. Estava lindo, agora sim, iria novamente à praça, seu brinquedo tinha até paralamas, como uma lambreta de verdade. Pediu permissão à mãe, e se foi correndo com seu brinquedo. Testou-o pelas calçadas, e viu que era muito rápido, e prático.
Quando chegou à praça havia poucos meninos, alguns com brinquedos daquele tipo, só que comprados em lojas. Quando viram o menino, se aproximaram para ver o que trazia. Genilson viu a admiração dos meninos pelo seu novo brinquedo.
_Onde comprou este? É muito bonito, diferente, vamos apostar uma corrida?
O menino que agora era só felicidade, aceitou. Marcaram o chão com giz; pronto, você só pode ajudar com o pé até esta marca, daqui pra frente tem que ficar em cima do patinete. Ninguém chegou perto do Genilson. Sua máquina além de mais rápida fazia um barulho bonito. De repente todos queriam andar no brinquedo do menino. Davam os seus para ele. Um outro queria trocar o seu pelo dele.
E aí foi a vez de Genilson mostrar que assimilara a lição que recebera do pai. Disse:
_Não posso fazer isto. Sei que o seu brinquedo vale mais dinheiro que o meu; mas, há uma diferença: quem fez este aí pensava nas crianças. Mas não sabia qual. Este aqui é diferente, foi feito com muito amor para mim. Lembram do carrinho que eu trouxe depois do natal, e que riram muito dele? Também era um caminhão, e sua carga era amor. Amor por mim. E eu o destruí com uma pedra. Destruí o caminhão, mas a carga, eu consegui recuperar, pois o amor do meu pai é muito grande, não há pedra que possa destruir. Por isto, não posso trocar amor por brinquedo nenhum do mundo.
Os meninos ouviam Genilson com respeito, nunca mais riram dele, e o consideravam um líder.
Quando chegou à casa todos notaram a euforia do menino Este contou aos pais o que se passara. E, com muito orgulho contou ao pai como recusara trocar seu brinquedo por outro, e o que dissera aos meninos. Os olhos dos pais ficaram marejados de lágrimas. Seu filho aprendera a lição.
A vida continuava sem muitas mudanças. Chegava o dia da formatura do segundo grau de Genilson, este agora com 17 anos nunca rodara um ano sequer. Se ele não era nenhum destaque na escola, também não decepcionava os pais, principalmente porque gostava muito de estudar.
Um dia, D. Dalva entrou no quarto do filho a procura de algo, e encontrou uma caixa de papelão. Foi verificar o que tinha dentro, e para sua surpresa encontrou o carrinho todo amassado.
Quando o marido chegou, ela lhe contou o que encontrara no quarto do filho. Olegário não entendeu, e resolveu falar com o rapaz. Assim que este chegou em casa o pai o chamou para uma conversa.
_Filho, sua mãe hoje arrumando seu quarto, encontrou aquele brinquedo amassado dentro de uma caixa, porque guarda aquilo? Seu pai já lhe deu provas que não guardou nenhum tipo de rancor por ter feito aquilo, porque? Pode me explicar? Sabe muito bem que já esqueci este incidente.
_Sei pai, o senhor pode ter esquecido, pois não cometeu nenhum erro. Mas eu cometi, guardo aquilo para um dia, se necessário, mostrar aos meus filhos. Não quero que cometam a ingratidão que cometi com você. Quero que conheçam o poder do amor, mas que se não é compreendido, uma simples pedra pode esmagá-lo. Ou transformá-lo num sentimento ruim. Aprendi uma linda lição e não posso esquecê-la. Pois, se esquecemos os erros do passado estaremos fatalmente fadados a repetí-los.
Olegário abraçou o filho emocionado.
Tempos depois, quando Genilson se casava com uma moça muito bonita, amada por ele e por seus pais, o rapaz fez questão que o presente de casamento do pai fosse o carro amassado. Embrulhado com muita beleza e carinho. Agora seu Olegário entendia o valor que aquele brinquedo tinha para o seu filho.

sábado, 17 de janeiro de 2009






O JOGO DA VIDA
J. Norinaldo


Daniele nasceu em berço de ouro, filha de uma abastada e respeitada família do Rio Grande do Sul.
Seu pai, cujo nome era Paulo Márcio Zennder, empresário e fazendeiro, homem muito correto, principalmente no que concerne a família, sempre fora um exemplo, pois não bebia; fumava cachimbo, o que lhe dava um ar imponente. Casara-se cedo, com dezenove anos, com dona Alice, mulher bela, e também de ótima família. Tiveram quatro filhos que eram o maior orgulho dos pais: três meninos e uma menina. Esta era admirada desde muito cedo pela sua beleza.
Daniele herdara a beleza dos pais somada a de algum ancestral. Era loira e de lindos olhos verdes. Ela fora a mais mimada por todos, pois, além de caçula era a única filha do casal. Os pais, assim como todos os parentes tinham verdadeira adoração pela menina que crescia, e ficava cada vez mais bela, dona de um corpo escultural.
Esta bela moça tinha tudo que um ser humano precisa para ser feliz: uma linda família, dinheiro e muito amor. Mas, tudo isto não foi suficiente, pois quando completou catorze anos, seus familiares começaram a notar que algo não ia bem com ela. Daniele começou a demonstrar uma irritação constante; qualquer coisa era motivo para ela sair aos gritos.
Os pais conversavam muito com Daniele, mas não conseguiam atinar com a raiz do problema que afligia sua querida filhinha; decidiram levá-la a um analista. Foi aí que Daniele virou fera.
_Ah! Então pensam que sou louca? Não vou mesmo, nem pensar!
Foi então que perceberam que o problema era enorme, pois Daniele também estava mal nos estudos quando foram procurados pelos mestres da moça. Tomaram o maior
susto, inclusive com o número de faltas dela à escola.
Apavorado, Paulo procurou um psiquiatra, amigo seu, lhe relatando o que estava acontecendo com sua filha. Seu amigo baixou a cabeça após ouvir tudo, depois olhou para o amigo coçando o queixo, e disse:
_Deus queira que eu esteja errado, amigo! Mas, pelo que acaba de me dizer, só me leva a pensar numa coisa, e isto é tão grave e triste que jamais gostaria de ter que lhe dizer. Notou que Paulo ficara pálido.
_Como assim? Vamos, diga! Em que está pensando? Estou preparado para ouvir.
_Como disse antes, amigo, Deus queira que me engane, mas tudo leva a crer que seja droga.
Aquilo soou como uma sentença de morte aos ouvidos do homem Este agora muito mais pálido, gaguejou:
_Não pode ser, por Deus, não pode ser isto! Pode ser qualquer outra coisa, mas isto não! Ela nunca teve motivos para isto, você nos conhece muito bem, pode ser testemunha, não, não e não. Isto eu não aceito, e seus olhos já estavam cheios de lágrimas.
Dr. Martins também balançava a cabeça tristemente quando disse:
_Calma, amigo, não estou lhe dando certeza de nada, tenha calma!
_ E como vou tirar esta terrível dúvida do meu coração, agora que a plantou aqui? E bateu forte contra o peito.
_Amigo, descobrir é fácil, nisto eu posso ajudá-lo, porém descobrir nem sempre é a solução, mas conte comigo para o que for preciso. Sabe que pode contar comigo. Conversaram mais um bom tempo, mas quando Paulo saiu da casa do amigo não conseguia coordenar as idéias; sua cabeça era um verdadeiro turbilhão. Que faria? Conversaria com Dani, ou esperaria pra ter certeza, certeza essa que jamais queria ter?
Chegou em casa já era noite. Chovia. Sua filha não estava em casa. Dona Alice notou que seu marido não estava bem, e quis saber o que estava acontecendo. Foram para o quarto, e Paulo lhe reportou a conversa que tivera com o amigo. Dona Alice levando a mão à boca num gesto de desespero, começou a chorar dizendo:
_ Meu Deus! Não deixai que minhas suspeitas se confirmem. Lhe imploro, Meu Pai ! Não, minha filhinha, não! E se atirou sobre o marido aos prantos.
Também chorando, Paulo disse:
_Calma, querida! Ainda não temos certeza de nada. Deus é bom, não vai deixar que esta maldição entre em nossa casa. Porém, já não tinha mais tanta certeza.
Duas horas depois chegava Daniele. Quando a porta se abriu e o pai viu a filha entrar, seu coração disparou como se tivesse tomado o maior susto; ela se vestia de preto, se vestia mal, ele nunca notara, sempre achara que aquilo era a moda dos jovens. Agora via que não, sua filha parecia um lixo.
Ela entrou, cumprimentou os pais com um oi, e subiu correndo para o seu quarto. Se no meio da escada tivesse olhado para trás, teria visto seu pai levar as mãos à cabeça e uma pequena poça se formar no tapete, nunca se vira aquele homem chorando daquela maneira.
Não foi preciso muito esforço para se ter a pior das notícias até então na vida daquela família acostumada a felicidade. Um dia, Daniele não estando em casa, dona Alice foi ao seu quarto, e no armário do banheiro encontrou um pequeno pacote. Ainda pensou em colocá-lo no vaso e dar descarga, não queria ver aquilo, mas abriu e constatou um pó branco. Terrível descoberta, suas pernas se dobraram, e ela caiu de joelhos começando a bater com a cabeça no assoalho .Depois de um certo tempo ligou para o marido e este veio correndo quando ela então lhe mostrou a triste descoberta. Aquele homem que sempre fora considerado como uma forte pilastra do mais puro mármore desabou, parecia muito mais velho; os dois abraçados chorando como crianças chamaram a atenção dos criados que apavorados ligaram para os filhos. Estes vieram imediatamente, e não entendiam aquela cena, principalmente porque perguntavam e ninguém lhes dava uma resposta. Quando por fim tiveram a resposta quase caíram todos ao chão.
_Não é possível diziam quase num triste coro. Temos que agir imediatamente. Talvez esteja só começando, vamos ser práticos, chorar não vai levar a nada_ disse o mais velho, que como o pai também se chamava Paulo.
Nesta noite, Daniele teve sua primeira conversa com a família a respeito de drogas. Foi uma conferência muito triste. Ela jurou que experimentara há pouco tempo, que não era viciada, prometeu não voltar a usar vendo todos ali chorando, pareceu se compadecer da dor da família que amava e muito.
Rafael, seu irmão mais jovem, não se convenceu muito, e resolveu investigar a vida da irmã. Descobriu que ela já estava na vida há muito tempo e suas amizades eram péssimas, quase ninguém do círculo de amizade da família, coisa que também ninguém nunca notara.
Depois dessa descoberta a vida da família virou um verdadeiro inferno. A moça se vendo constrangida, sabendo que já não acreditavam nela, tornou-se mais revoltada e pouco aparecia em casa. Os pais começaram a sentir o chão lhe fugir dos pés quando tiveram em sua porta, traficantes cobrando dívidas da filha.
O irmão mais velho, o único casado, tinha uma filhinha com quatro anos. A criança adorava Daniele, e começou a sentir a falta da moça que não a visitava mais. Daniele já não era tão bela, tinha enormes olheiras roxas, cada vez mais se vestia pior. Sempre de negro.
Este sofrimento ainda duraria três anos; os pais da moça pareciam muito mais velhos agora, seus irmãos eram pessoas tristes.
Um belo dia, Daniele andava pelas ruas sem rumo, quando notou um homem muito velho que cuidava de uma plantação de morangos. Tinha uma parte do rosto tapado com uma espécie de máscara, ela parou ,e ficou olhando para o homem. Este assim que a viu lhe dirigiu um sorriso, em sua face aparecia apenas um olho e ela fez uma careta. O que teria acontecido àquele homem que escondia a metade do rosto?_ pensou.
_Olá mocinha, gosta de morangos? São os melhores, sem veneno, uma doçura, venha! Vou colher alguns para você! Mas a moça não tirava os olhos do rosto do homem.
_Que houve com o seu rosto_ perguntou ela.
Mais um sorriso, agora triste, o homem levou a mão ao tampão e disse:
_Filha, isto é um câncer que está me levando aos poucos, não reclamo, já vivi muito, mas me dói muito, principalmente porque nunca tive vícios. Falava com certa dificuldade, se encostara ao cabo da velha enxada e olhava com carinho para ela. Tenho oitenta e sete anos, filha, já vivi o bastante.
_Mas, se sabe que está morrendo porque continua trabalhando? Não vale a pena, porque não vai descansar?
_Para mostrar a Deus que dou muito valor à vida que ele me deu. Quero usufruir dela até quando não der mais, filha. É assim que demonstramos nosso agradecimento a Ele pela dádiva da vida. Continuo trabalhando porque sei que garotas bonitas e saudáveis como você comerão os morangos que eu plantei e se lembrarão de mim com carinho, entende?
Pela primeira vez uma conversa calou fundo na mente daquela moça. Ela não segurou as lágrimas e disse:
_Eu não sou saudável, nem bonita. Eu uso drogas! Estou matando minha família, pois eu já estou morta. Ajude-me, pelo amor de Deus! O senhor pode e sabe como. O senhor, um homem velho e com câncer, sabe que não demorará a morrer está aí a cuidar dos seus morangos, enquanto eu que tive tudo que alguém sonha ter, destruí a minha vida. Deixe que eu morra em seu lugar, fique aqui e cuidando dos seus morangos. O senhor merece mais do eu.
O homem a olhou com muita tristeza e abriu os magros braços para recebê-la. Daniele dera muita sorte em passar por ali. Gedeão levou a moça pra dentro de sua humilde casa e ali conversaram durante muito tempo. Ele preparou uma refeição muito simples, arroz feijão e ovos fritos, ela que quase nunca sentia fome, comeu com o prato no colo enquanto ouvia as palavras de Gedeão.
E o tempo foi passando. Como já era noite, o velho preparou uma cama muito simples, porém tudo muito limpo. E a moça deitou-se. Fazia horas que não se drogava, não conseguiria dormir, pensou, mas não queria decepcionar aquele bom homem.
Deitou-se e ouviu o velho lhe dizer:
_Durma com Deus, minha filha! Amanhã conversaremos mais.
Daniele ao contrário do que previa dormiu logo, um sono pesado, o velho ficou ali do seu lado, só tempos depois dormiu pensando na bela jovem.
Daniele teve um sonho, ou delírio, que mudaria totalmente a sua vida.
De repente estava ela em uma espécie de programa de televisão, só que bem diferente: havia duas platéias, uma de pessoas bonitas, jovens e adultos bem vestidos, pele linda. Do outro lado gente jovem e feia, com horríveis olheiras, todos vestidos de preto, alguns sujos e rasgados.
De repente apareceu o apresentador.
_Senhoras e senhores, vai começar o jogo. Hoje temos aqui, Daniele Zennder, que irá defender sua família do forno. Se conseguir responder certo às perguntas formuladas eles estarão salvos, caso contrário, irão para ... E a platéia de negro gritava:
_Fogo! Fogo! Daniele não entendia nada. Repentinamente, apareceu diante dos seus olhos um enorme painel luminoso cheio de números.
Do outro lado uma estranha plataforma, estreita e logo abaixo, um caldeirão enorme com lavas incandescentes, ela sentiu o calor. Olhou mais uma vez para o painel, o que significava tudo aquilo? Quando olhou novamente para a plataforma, viu todos os seus parentes, dentro de gaiolas. Todos enfileirados à beira do caldeirão. Um calafrio lhe percorreu todo o corpo. Pela primeira vez lembrou-se de Deus.
Tomou um susto quando ouviu a possante voz do apresentador do estranho programa:
_Vamos começar, você sabe como funciona, terá que ir eliminando os números da morte do painel, cada número eliminado corretamente, um deles sairá dali, cada número errado e a gaiola é empurrada para o fogo.
Daniele ainda quis contestar, não quisera participar daquele programa, quem colocara seu nome nele? Não teve tempo, pois ouviu:
_Primeiro número eliminado, a luz ficará verde, assim que mudar para vermelho você deve dizer o número bem alto. Há tempo, porém caso não faça isto, assim que a luz apagar, a pessoa correspondente ao número, desce.
E a platéia de negro vibrou.
Daniele suava muito, não tinha nem idéia de que número eliminar, não entendia nada, estava perplexa diante daquela situação. Seu coração parecia querer sair do peito, de tanto
remorso por não saber como livrar sua família daquela situação terrível. Olhou para as gaiolas e percebeu pelos rostos de todos, aflição, mas também notava um pouco de esperança. Viu sua sobrinha que inocentemente brincava e sorria para ela. Daniele se conscientizou que não havia alternativa: tentaria salvar sua família, nem que para isto tivesse que morrer.
_ Pronto, luz verde!_disse o homem.
A moça por mais que se esforçasse não sabia o que fazer, que números dizer, não tinha nem idéia. Pediu ajuda de Deus. Foi então que viu na platéia alguém que encheu seu coração de esperanças. Era Gedeão, bem vestido, muito sorridente, lhe fazendo com o dedo o sinal de positivo; então, ele tinha esperanças nela, sentiu-se alegre de repente, depois ele lhe fez outro sinal apontando para a platéia de olheiras e mal vestida.
_Meu Deus, entendi, e gritou: número quatro.
_Tem certeza ? _ perguntou o apresentador.
_ Sim, tenho.
E fez-se um pesado silêncio.
O número quatro foi apagado do painel. Todos se voltaram para a plataforma e a criança já não estava mais lá; toda família vibrava dentro das gaiolas, mesmo não sabendo de sua sorte. A platéia feia vaiou e Dani teve certeza que estava no caminho certo.
_ Obrigada, Meu Deus! Mesmo não merecendo, não me abandonou.
A luz verde apareceu.
_Próximo número! _ gritou o homem.
Assim que a luz vermelha apareceu, ela gritou :
_ Número 17!
_ Tem certeza? Posso mandar apagar?
_ Sim, tenho fé em Deus.
O número foi apagado e a mãe de Dani sumiu da plataforma.
Agora ela sabia que salvaria todos.
Olhou novamente para agradecer a Gedeão. Ele lhe deu mais um sorriso e o sinal de positivo.
Os números foram sendo eliminados um a um: 17, 14 , 7, 1 e, por fim, o número 18.
Todos certos. Os parentes de Dani estavam livres. Ela conseguira. Graças a Deus e ao amigo Gedeão.
O apresentador fez mais uma pergunta:
_Vai parar agora? Dani olhou novamente para o amigo e este lhe fez o sinal de sim. Ela sorriu e disse bem alto:
_Vou parar.
_Tem certeza disso? Pois devo avisá- la que até hoje ninguém passou pela segunda chance, você tem que ter certeza que quer parar.
_ Tenho certeza que vou parar, juro por Deus!– disse ela feliz.
_ Consegui, graças a Deus. Obrigada, Senhor!
Pulou da cama, e viu o velho que a olhava assustado com seu único olho. Ela correu para ele abraçando-o carinhosamente.
_ Obrigada, Gedeão! Você ajudou-me a me salvar e a salvar minha família. E se lembrou perfeitamente dos números que eliminara. Pensaram muito e procuraram no alfabeto.
Descobriram o que significavam. Para Dani não precisava mais nada. Só Deus poderia ter lhe dado aquela chance, não a desperdiçaria. Como avisara o apresentador do programa, a segunda chance poderia não existir.
E contou o seu sonho para o velho. Quando terminou amanhecia um lindo dia. Dani se espantou, pois há muito não via beleza em nada. Tomou café com o velho e se despediu prometendo voltar em breve.
Procurou seus pais, que diferentemente das outras vezes quando a filha aparecia só lhes causava tristeza, dessa vez notaram algo diferente. Depois que a moça lhes contou tudo foi a maior felicidade do mundo para todos.
No outro dia foram à casa de Gedeão. A moça com muita tristeza lembrou que ele não estava no jogo, portanto não poderia salvá- lo. Gedeão morreu 11 meses depois, feliz porque levava consigo a certeza que tivera participação muito direta na salvação daquela moça. E que jamais o esqueceriam e seus morangos. E assim foi, pois Daniele nunca mais usou drogas.
E, em um pequeno sítio da periferia da cidade levava muitas mudas de morango que cuidava pessoalmente. Para ali eram encaminhadas jovens que queriam se livrar do vício
terrível. Ouviam a história do velho Gedeão e da moça e ficavam muito emocionados.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009



VULCANO
J. Norinaldo.


Encontrava-me numa estrada desconhecida.
Minhas botas afundavam na lama… o único som audível eram meus passos.
Sentia frio nos pés, apesar das pesadas roupas que usava. O frio parecia penetrar-me até os ossos… Mas prosseguia!
Não sabia onde estava, só sabia que devia continuar andando, não tinha idéia de onde vinha e nem para onde ia.
Na verdade não sabia nem quem era…
À direita havia um rio, não muito largo. Uma densa camada de névoa cobria-o, dando-lhe um ar fantasmagórico.
À esquerda, um verdadeiro paredão de pedras muito húmidas e cobertas de limo. Continuei caminhando.
Em dado momento, a manta que trazia ao pescoço, caiu para frente, peguei numa ponta e a joguei para trás, de modo a que me protegesse do frio intenso que fazia.
Era uma espécie de cachecol muito grosso, feito com lã crua.
Prossegui meu caminho, já não me desviava sequer das poças de lama, era totalmente impossível fazê-lo… sentia os pés gelarem.
Avistei primeiro uma ponte, com dois arcos, que me pareceram à distância serem de pedra, pensei que a cidade não estaria longe. E não estava realmente.
Em pouco tempo, encontrei uma curva na estrada e entrei na aldeia. Já era noite fechada, assim, perambulei por ruas estreitas e escuras, ali não havia lama, as ruas eram calçadas de pedras, como de pedra também eram as construções.
Vi luzes e ouvi muitas vozes em uma espécie de taberna e para lá me dirigi. Entrei e qual não foi minha surpresa quando todos que ali estavam se viraram à minha entrada.
Alguém, um homem muito alto e forte, que usava um estranho chapéu, dirigiu-se a mim, gritando: - Mas vejam só quem está de volta!!
O seu sotaque, assim como sua voz lembravam o ator Paulo Goulart, quando interpreta italianos nas novelas, até o jeito de falar era igual. O nosso Giuseppe tinha voz de tenor.
Veio até mim de braços abertos, foi um longo e emocionado abraço, pelo menos da parte dele…. Eu nada entendia.
Sem dizer uma palavra, assustado e totalmente perdido, pois como disse antes não sabia que lugar era aquele, e nem mesmo quem eu era, vi todos se aproximarem e tentarem me abraçar ao mesmo tempo, enquanto uma alegria que me parecia sincera brotava daqueles olhares.
Atônito eu nada dizia, foi quando o mesmo homem que começara a falar, disse com sua voz de trovão:
-Gente, o que estamos esperando? alguém vá correndo buscar o Victorio agora mesmo! E você homem! - disse virando-se para o taberneiro- Sirva imediatamente vinho ao nosso Giuseppe, pois com o frio que faz lá fora deve estar enregelado.
O homem, este gordo e muito vermelho, apressou-se em cumprir a ordem. Logo me era entregue uma enorme caneca de barro cheia de vinho, serviu a todos e fizemos um brinde, eu sequei a minha caneca e todos fizeram o mesmo.
O vinho era muito bom, senti um calor reconfortante, o frio desaparecera como por encanto.
Pela forma como me tratavam, eu era aparentemente, uma figura muito querida e respeitada por todos.
De repente o mesmo homem que me recepcionara com tanto calor disse: - Paola já sabe da tua volta? Dirigia-se a mim.
Neguei, balançando a cabeça, o que queria dizer mesmo é que não sabia quem era Paola.
-Porca miséria!! - disse parecendo bravo agora. - Você vá correndo avisá-la, traga-a para cá, para também comemorar sua chegada. Vamos homem o que está esperando?
Mais uma caneca de vinho veio parar em minhas mãos, não me fiz de rogado e a emborquei novamente. Tudo aquilo era muito confuso para mim, mas agora depois do vinho eu já não sentia mais medo. Afinal era bem tratado, isto já era algo muito bom. Mas quem seria Paola?
Outros homens entravam na taberna, agora um trazia uma estranha acordeona, estranha pelo menos para mim, era muito pequena, ele usava uma boina também bastante estranha. Era Victório.
Assim que entrou, veio diretamente para mim de braços abertos. Agora eu sabia que estava na Itália. Em seguida começou a tocar seu instrumento, a alegria era contagiante.
Não demorou muito e adentrou a taberna uma bela mulher, mesmo vestida com pesadas roupas de lã, notava-se a beleza do seu corpo. Trazia duas meninas pelas mãos. Assim que me viu, correu e se atirou em meus braços, não tive tempo de perguntar nada, abracei a mulher carinhosamente, não conseguia atinar com nada do que estava me acontecendo.
Depois de um longo e apertado abraço ela disse: - Beijem o papai filhinhas. Ele voltou, Graças a Deus!
Após abraçar e beijar as meninas que também eram lindas ouvi da mulher: - Querido. Vulcano não morreu. Apareceu em casa dois depois, louco de fome. Está lá fora. Vá vê-lo.
Saí, como um verdadeiro robô, para ver Vulcano. Quem seria Vulcano? Ao chegar a porta, um enorme cão negro pulou sobre mim, me lambendo e fazendo uma grande festa.
Aí lembrei de tudo: Me atirara no rio para salvar o meu cão numa noite de tempestade. Lembrei-me das meninas, Carmela e Giovana, minha mulher Paola e aquele homem com voz de tenor era meu sogro. Meu Deus então não morrera!!!
Voltamos ao salão e pedi outra caneca de vinho, agora estava feliz, queria falar, mas ninguém me ouvia, falavam todos ao mesmo tempo gesticulando muito. Peguei a caneca e virei de uma só vez. Quando olhei para as pessoas, comecei ver tudo girando, suas vozes pareciam uma radiola que perde a rotação, de repente vi aquelas pessoas se movendo em câmara lenta, e depois parecia que se desmanchavam.
Fiquei apavorado, pensei que fosse o efeito do vinho em demasia. Fechei os olhos na esperança que aquilo passasse logo. Fiz um tremendo esforço e novamente abri os olhos, foi aí que vi tudo claramente: Eu estava numa cama de hospital, ouvi uma voz feminina dizer: - Doutor!! Doutor!! Ele está voltando, veja!!! Abriu os olhos!
Vi um médico jovem ao meu lado, falavam a minha língua, ouvi-o dizer: - Graças a Deus voltou, chamem o doutor Martins.
Horas depois recebia a visita da minha esposa. Feliz, sorridente, linda.
Como lhe falar de Paola, Carmela e Giovana?? Eu saíra do coma provocado por um desastre de automóvel. Mas o que significava tudo aquilo?
Tempos depois, com o auxilio de um grande artista, que desenhou a aldeia, as roupas que descrevi, o recipiente de vinho e até o instrumento do Victorio, um grande pesquisador italiano me dizia:
- Pelo que temos, Giuseppe viveu no norte da Itália entre 1340 e 1370. Tentou salvar seu cão, este voltou são e salvo, mas nosso herói veio parar no Brasil quase oitocentos anos depois….