terça-feira, 30 de dezembro de 2008

FANTASMINHA ENGRAÇADO
J. Norinaldo.


Em minha eterna busca pôr fantasmas de sótãos, esquisitice que adquiri ao ler o primeiro livro de contos de Edgar Alan Poe, quando ainda muito jovem. Vi-me há muito pouco tempo numa situação vexatória e desconfortável.
Conheci recentemente um escritor, poeta e jornalista muito conhecido nos meios literários da minha cidade, fizemos amizade muito rapidamente e, hoje além de amigo sou um grande admirador do mesmo.
Este meu novo amigo mora em uma mansão muito antiga. Apesar do luxo, o lugar tem uma aparência fantasmagórica, desde o primeiro dia em que ali estive tive essa sensação. Nos fundos do quintal que é enorme existe uma construção de dois pisos, uma espécie de quiosque.
Mas vamos ao fato que pretendo contar. Muito bem, esse pequeno quiosque tem também um pequeno sótão, muito pequeno mesmo, eu já estive algumas vezes na casa do meu amigo e sempre tive curiosidade de olhar o que tem lá em cima, porém, ainda não tive oportunidade de fazer isto sem chamar a atenção e Ter que dar explicações sobre a minha mania. Até que dias atrás eu telefonei avisando de mais uma visita, e quando cheguei para minha surpresa, meu amigo havia se ausentado por motivos alheios à sua vontade, deixara um recado para que eu fosse lá para seu canto e o esperasse. Não demoraria.
Eu pretendia voltar depois, disse isto ao seu mensageiro, mas este disse que meu amigo lhe recomendara que não me deixasse ir embora, que não demoraria que precisava falar comigo. Não tive outra alternativa, entrei e fui direto ao quiosque, quando lá cheguei, notei uma escada colocada na entrada do sótão que fica na frente da pequena construção, na hora senti algo estranho, sabia que não era correto subir a escada e espionar o que tinha lá em cima. Contive meu primeiro impulso… por pouco tempo, porém, achando que éramos amigos e quando chegasse eu lhe diria, subi alguns degraus da escada até poder olhar pela pequena abertura. Que decepção, nada além de alguns pedaços de isopor, e uma mesa velha.
Já me preparava para descer quando para meu espanto ouvi uma voz dizer:
_Olá!
minha primeira iniciativa foi olhar para baixo, pensando ter sido pego em flagrante espionando o sótão. Não vi ninguém, então eu mesmo perguntei sem dirigir a ninguém à pergunta: _ Quem disse olá?
_Eu disse olá! Agora eu sabia que a voz vinha de dentro do sótão, tomei um susto tão grande que pôr pouco não despenco da escada. _ Eu quem? Perguntei com voz tremula de medo.
Olhei para a parte mais clara e o que vi me deixou pasmo, um rato, parecendo ter uma tênue luz a sua volta, olhando para mim disse:
_Eu disse olá, e digo olá novamente, olá.
No mesmo instante me lembrei de algo que lera recentemente sobre esquizofrenia e pensei meu Deus, não pode ser isto não tem cura. Mas enfrentei a realidade perguntando:
_ Quem é você?
_ Um fantasma!
_ Fantasma de um rato? E fala?
_não Pedro Bó, sou um fantasma de uma girafa e relincho, não está ouvindo?
Achei engraçada a irritação do rato, e perguntei:
Posso saber por que é tão irritado?
_ Comigo burrice tem tolerância zero, foi justamente por burrice que hoje sou um fantasma, entende agora?
Apesar do medo que sentia, não do fantasma, mas sim de ter ficado louco. Prossegui o dialogo:
_ Muito bem, e o que quer de mim?
_ Eu nada, não te procurei, foi você que veio até aqui, eu não te chamei. Mas já que está aqui, vamos aproveitar e conversar um pouco, me sinto muito só nesse lugar.
_Tudo bem, respondi sobre o que quer conversar?
_ Você é visita, escolha o tema, para mim tudo bem.
_ Está bem, me conte então como virou fantasma.
_ Bem é uma longa história, não quer entrar e sentar-se?
_ Não, estou bem aqui.
_ Tudo começou com um sonho, aliás, todo rato tem dois grandes sonhos, uma fábrica de queijos e conhecer o mais famoso rato do mundo. O Mickey Mouse. Eu parti para a segunda opção, consegui uma passagem de navio e embarquei em busca do meu sonho.
_Como conseguiu a passagem? Comprou? Perguntei espantado.
_ Claro que não comprei você me parece meio retardado, consegui escalando um grosso cabo que prende o navio ao cais, e agora vê se não me interrompe mais.
A viagem foi maravilhosa, comida a vontade, consegui um camarote com uma bela visão, apesar de ter enjoado um pouco nos primeiros dias não podia me queixar. Foram muitos dias de mar, até que aportamos, desembarquei sem muito problema, e foi ai que começaram as dificuldades. Primeiro eu notei que as pessoas naquele país eram todas iguais, no começo pensei que fosse o efeito da primeira viagem a bordo de um grande navio, mas não era. Na minha ânsia de embarcar para Orlando na Flórida, eu esquecera de verificar em que navio entrara me dei mal e fui parar na China.
Para encurtar o papo, não entendia uma vírgula do que falavam ali e de repente me vi totalmente perdido. Encontrei alguns ratos locais, mas como disse não nos entendíamos, de repente uma grande correria, eu mesmo sem saber por que corriam não fiquei para averiguar. Enquanto corria pensava na falta do passaporte. Até que uma rede me caçou, ali comem ratos grandes, eu engordara muito durante a viagem, me tornei uma presa fácil. De repente minha vida passou rapidamente diante dos meus olhos como num filme e zaz, eu estava do outro lado. Era um fantasma.
_ E o que me conta da vida de fantasma? Perguntei agora bem interessado e deslumbrado com o estranho diálogo.
_ Tem suas vantagens, mas também muitas desvantagens. Vantagens, você entra onde quer e a hora que quer sem ser molestado. Desvantagem entra em uma fábrica de queijos e ali não vê nenhuma vantagem, pois fantasmas não comem. Bem e foi depois de virar fantasma que tive a chance de realizar meu sonho, ver de perto o Mickey. Minha decepção foi tão grande que só não morri porque não poderia morrer novamente.
_ Pôr que se decepcionou tanto?
_ Porque descobri que o tal Mickey, não passa de uma menina debaixo de uma fantasia de plástico, já pensou nisso? E é justamente pôr isto que detesto gente burra como eu fui.
_Agora entendo. Mas decerto tem outras vantagens, disse eu, pôr exemplo: Entrar no quarto de uma linda garota e vê-la trocar de roupa vai dizer que não é fascinante?
_ Eu não me enganei, você é realmente é piroca das idéias, o que sentiria ao ver uma rata pelada? Vamos me responda!
_ Ora, nada, talvez sentisse asco.
_ Pois esse seria meu sentimento diante de uma mulher nua. Vamos mudar de assunto, você é amigo desse cara ai embaixo, não é?
_ Claro que sou, respondi chateado pela interrupção do papo, estava ficando gostoso, mas esse fantasminha é bem enfaroso e metido pensei. Pôr que quer saber, respondi rispidamente.
_ Quero que me faça um favor, diga pra esse cara parar de tocar esse violão dele e cantar com essa voz de galinha choca, não é pôr ser dono do sótão que tem o direito de incomodar os vizinhos, diga tudo isto par ele.
_ Ora eu não posso fazer isto, respondi.
_ E porque não? Qual é o problema?
_ São muitos os problemas, primeiro porque não concordo com você, pôr acaso não viu a quantidade de troféus que ele acumula lá embaixo? Foram todos ganhos em festivais, ela canta e toca divinamente, um verdadeiro virtuose. E para fazer isto, eu vou ter que contar essa nossa conversa, e segundo ele vai achar que inventei tudo isto, e sou eu que acho que ele não toca nada e ainda tem a voz de galinha choca.
_ É, acho que o subestimei, não é tão burro assim..
. E com certeza você nunca escutou o rato italiano Vincenzo Provolone cantar, para dizer que seu amigo canta bem, ora faça-me o favor. A conversa está boa, mas galinha choca está chegando. Ouvi o barulho do portão e desci rapidamente sentado-me e pegando um livro que fingi ler, quando meu amigo entrou. Na minha pressa nem notei que o livro estava de cabeça para baixo.
_ Oi, demorei muito? sinto te-lo feito esperar. Quando vi a maneira como meu amigo me olhava, mesmo sem que ele perguntasse nada, eu gritei:
_ EU NÃO VI NADA. Juro que não vi. Ouvi uma tremenda gargalhada lá em cima.


1 comentário:

  1. Uma interessante conversa com seu id, aqui metaforizado no personagem de um rato sagaz e esperto, cuja sapiência, lhe chegar tarde demais pra vida. O rato, que nada é que seu álter ego, demostra o quanto tu és tens conhecimentos dos teus sótãos e dos seus fantasmas e que quando em vez tu o deixas livres, para povoarem seus contos. Atreves do rato, é traduzido todo um rico aprendizado acerca dos desejos consumistas. Tudo muito coerente, afinal que mais poderia ser almejado para um rato senão conhecer o Mickey? Como ele poderia saber que se trata de mais um personagem antropomorfizado pra satisfazer os desejos humanos, negando a natureza dos bichos. Ora mas um diálogo construtivo, pois sim, é bom visitar nossos sótãos, e conversar com nossos fantasmas, mesmo que ele seja um ratinho, puto da morte, já que não tinha mais vida, e lhe dizia, “estou aqui e sou parte de você”, a parte que tu escondes, mas vez em quando visita, as escondidas, porque somente os lúcidos conseguem conversar com seus fantasmas. Os normais, na sua cega falta de loucura, vivem ainda como aquele rato, em busca de seus desejos. Tinhas que justificar a morte dele, que fora parar num pais onde se alimentam de ratos, fora para na Índia, receberia tigelas de leite e seria adorado

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