sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009



O BRINQUEDO
J. Norinaldo.

Olegário era um homem simples. Nascera pobre, começara a trabalhar muito jovem ainda para ajudar o pai a manter a grande família; eram 7 irmãos, sendo quatro mulheres. Quase um menino foi empregado em uma padaria onde entregava pães em um cesto maior do que ele.
Casou-se com 19 anos com uma moça também de família pobre. Tiveram apenas um filho. Nesta época, Olegário trabalhava como padeiro na mesma padaria onde começara; ganhava o suficiente para viver. Não se queixavam, aliás, era a vida que conheciam.
O pequeno Genilson estava com sete anos e iria para a escola. D. Dalva já tinha tudo pronto. Economizara durante meses, mas o uniforme, e todo material escolar do menino estavam comprado.
Genilson era um garoto esperto, grande para sua idade, meigo e educado. Ia sempre à missa com sua mãe, e prestava muita atenção no que ouvia ali.
No primeiro dia, quando D. Dalva deixou o menino na escola, que não ficava muito longe, voltou para casa muito preocupada. Não parava de pensar como se comportaria o filho no seu primeiro dia de aula. Olhava toda hora para um relógio que havia na parede, e como demorava a passar as horas.
Enfim, chegou o momento de ir buscar o filho. Chegou mais cedo que todas as outras mães Quando liberou a criançada, ela viu com muito orgulho seu filho procurando-a com o olhar. Ele olhava por todos os lados. Quando a viu, saiu correndo demonstrando estar muito feliz.
_E aí, meu filho, gostou da escola, dos coleguinhas, das professoras?
_Adorei mamãe! Quero vir todos os dias agora, até aos domingos, depois da missa. D. Dalva deixou escapar uma lágrima diante do filho tão radiante. Chegaram à casa, e enquanto D. Dalva lhe preparava o almoço Genilson lhe mostrava o que aprendera naquele primeiro dia: um monte de rabiscos nos cadernos, mas para ele faltava muito pouco para se formar. A mãe ria de felicidade. Quando seu Olegário chegou do trabalho cansado e louco para tomar um banho, jantar e cair na cama teve que ficar um bom tempo ouvindo com muita paciência as histórias do primeiro dia de aula. Depois comentava com a esposa:
_Deus, o ajude a gostar de estudar para que mais tarde não seja igual a mim, burro de carga dos outros.
_Não se queixe, querido!_ dizia a mulher, pois caso tivesse estudado muito, seria hoje um homem rico. E como iria encontrar a jóia de esposa que encontrou? E deu uma boa risada.
_Nisto, você tem toda razão minha querida, toda, não estou me queixando, o que quis dizer é que não quero para ele o que faço hoje. Com todo esse calor, e eu horas e horas na frente daquele forno. Farei tudo que puder para que estude, e seja um doutor algum dia.
D. Dalva, era mais nova que o marido, estava agora com 25 anos, era uma mulher bonita e amava muito sua família. Não tinha grandes ambições, sabia o que o marido ganhava, e ajudava no orçamento da casa, fazendo pequenas peças artesanais, crochê e bordados.
Chegava o final do ano. Na escola, Genilson recebia elogios das professoras, pela vontade de aprender assim como, pelo seu comportamento. Os pais só faltavam estourar de tão felizes.
Como aos sábados seu Olegário não trabalhava, um dia pegou algumas ferramentas e pedaços de madeira e, montou uma pequena oficina no quintal de sua casa. D. Dalva perguntou o que iria fazer e este respondeu que faria um brinquedo para o filho, seria seu presente de Natal.
Começou sua obra, e ficou surpreso, pois nem mesmo ele sabia dessa sua habilidade. Foi juntando as peças e, de repente viu com surpresa que havia feito um lindo caminhão para o filho. Fez a cabine com latas de óleo, comprou tinta, pintou tudo, realmente ficou uma coisa linda. D. Dalva também se admirou da beleza do trabalho do marido. Guardaram e esperaram o natal.
Quando chegou o tão esperado dia, D. Dalva enfeitou com muito capricho um pequeno galho seco com algodão, papel brilhante e algumas bolinhas que ganhara de amigas. Genilson ficou muito feliz pela sua árvore de natal. Nesta noite não dormiu cedo como de costume. No outro dia não tinha aula, portanto, após a meia-noite quando pode abrir seu presente ficou estarrecido diante da beleza do carrinho que seu pai fizera com tanto capricho e amor.
De tanta felicidade o menino quase não dormiu aquela noite, queria mostrar pra todos os amiguinhos a obra de arte que o pai fizera para ele. Assim que amanheceu o dia, nem sequer esperou pelo café, pediu aos pais para ir brincar com seu caminhão.
Genilson, que sempre brincara com seus amiguinhos, ali, próximo a sua casa, talvez por inocência, caminhou um bom pedaço com seu caminhão embaixo do braço até a praça principal da cidade. Era ali que os meninos iriam brincar com seus brinquedos que Papai Noel trouxera. Foi um grande erro, que só um tempo depois ele viria saber.
De longe, já percebeu grande número de crianças aglomeradas na praça. Chegou, e foi logo mostrando seu brinquedo. Como ali brincava a nata da sociedade, os meninos quando viram o caminhão de Genilson, começaram todos a rir. O que é isto?- perguntavam quase em coro, e largavam seus brinquedos eletrônicos que saíam fazendo uma barulheira medonha, acendiam as luzes, outros com armas que davam rajadas e muitas luzes se acendiam. Um apontou sua arma para o caminhão do menino, que deu uma grande rajada; depois riram as gargalhadas.
_ Some com isto daqui! Que coisa mais horrorosa! E, um garoto mais ousado deu um chute no carro que entortou a cabine de latas. Genilson, uma criança que iria completar oito anos, não teve capacidade de raciocinar no momento, pensar que o pai fizera aquele brinquedo por não poder comprar um daqueles, que eram muito caros, nem no amor com o qual fizera aquele brinquedo. No momento, só pensava com muita raiva na vergonha que estava passando diante daqueles meninos. Algumas meninas também riam dele. Aquilo soava em sua cabeça como enormes sinos badalando, quase o deixando louco.
Pegou seu brinquedo e saiu em direção a sua casa, chorando muito porque o pai lhe fizera aquilo. Não queria mais aquele presente. No caminho, Genilson encontrou uma grande pedra, quase não conseguiu erguê-la; colocou o brinquedo no chão, e jogou a pedra em cima, esmagando-o.
Chegou à casa chorando, não falou com ninguém, correu direto para o seu quarto onde se trancou. D. Dalva foi atrás dele, e depois de gritar muito para que abrisse a porta, o menino obedeceu, e se atirou em sua cama de bruços chorando muito.
Ela vira que ele voltara sem o brinquedo. Só podia ser uma coisa: algum menino maior lhe tomara o carrinho.
_O que aconteceu meu filho? Alguém lhe tirou seu brinquedo? D. Dalva tomou um susto com a resposta do filho. Este levantou a cabeça, olhou para a mãe com os olhos fuzilando e disse:
_Não, mãe! Ninguém me tomou nada, ninguém quer aquela porcaria, todos riram de mim lá na praça por causa daquilo. Todos têm brinquedos bonitos, só eu apareci com aquela coisa, eu o esmaguei com uma pedra, não quero mais saber dele.
D. Dalva sentiu uma pontada no coração, nunca vira o filho falar daquela maneira, sentiu até certa dose de ódio na criança.
Esperou seu marido chegar, e lhe contou tudo. Olegário foi conversar com o filho. Este assim que viu o pai olhou de maneira nunca antes vista, e perguntou:
_ Porque os pais dos meus amiguinhos podem comprar aqueles brinquedos para eles? Porque tem que fazer os meus? Por que ?
_Filho eu vou lhe explicar bem direitinho o por quê. Preste muita atenção e não esqueça nunca o que vou lhe dizer. Os pais daqueles meninos, ou nasceram ricos ou estudaram quando eram meninos, por isto conseguiram bons empregos, altos cargos, enfim, são ricos. _ Seu pai quando era um pouco mais velho que você teve que trabalhar para ajudar seu avô a sustentar a casa, alimentar seus irmãos, por isto não teve oportunidade de estudar. Hoje, quando faz bastante calor e você vê as pessoas se abanando, ou reclamando que está quente, seu pai está na frente de um forno incandescente. Sabe pra que? Para que não falte o essencial em nossa casa, e para que você possa estudar. E, mais tarde quando seu filho lhe pedir um presente, você não precisar de tantas justificativas como estou fazendo agora. Entendeu, filho?
Se o papai não comprou pra você um presente como aqueles os quais viu na praça, não foi por você não merecer, é porque não tenho condições. Mas o carrinho que fiz pra você, era um caminhão carregado de amor. Mas, você o destruiu, seu brinquedo não seria feio, se tivesse ido brincar com os coleguinhas aqui da vila, veria que ia ser admirado. Mas foi brincar no lugar errado. Deus não fez todos iguais, filho, nem mesmo os dedos da nossa mão o são; veja,e mostrou a mão ao menino, que prestava atenção na conversa do pai. Você pode se considerar um gigante, se isto o faz feliz, mas terá que se conformar em viver entre anões. Pense bem que, quando jogou aquela pedra em cima do presente que fiz com tanto amor para você, naquele momento pensava esmagar seu pai também, por não ter lhe dado um presente como os dos meninos da praça. Pense bem, e não repita mais isto. Você cometeu o pecado da soberba, peça perdão a Deus, e para mostrar que não fiquei zangado, lhe farei outro brinquedo. Quer?
O menino, que apesar da pouca idade, entendeu tudo o que o pai falara, com os olhos brilhando de felicidade pelo pai não ficar zangado com ele disse:
_Quero, quero sim, papai, e nunca vou esquecer o que me falou agora.
Genilson saiu de casa logo em seguida, foi ao local onde deixara seu brinquedo destruído, e seus olhos adquiriram um novo brilho ao ver que ainda estava ali. Pegou o carrinho totalmente destruído, viu que não tinha conserto e levou-o para casa. Sem que seus pais notassem o menino guardou em seu quarto.
Seu Olegário foi até a praça onde muitos meninos brincavam, gostou de certo brinquedo, não sabia o nome, mas era uma espécie de patinete, com guidon e duas rodinhas, parecia que era o que a garotada mais gostava, pois havia muitos ali. Aproximou-se de um garoto, e pediu para ver o seu brinquedo; olhou, memorizou, elogiou o garoto e foi embora. Passou por uma oficina mecânica de um amigo, conseguiu dois rolamentos usados, de bom tamanho, chegou à casa, pegou suas ferramentas e começou seu trabalho. No outro dia, quando genilson chegou do colégio, seu patinete estava pronto.
O menino deu um grito de alegria. Estava lindo, agora sim, iria novamente à praça, seu brinquedo tinha até paralamas, como uma lambreta de verdade. Pediu permissão à mãe, e se foi correndo com seu brinquedo. Testou-o pelas calçadas, e viu que era muito rápido, e prático.
Quando chegou à praça havia poucos meninos, alguns com brinquedos daquele tipo, só que comprados em lojas. Quando viram o menino, se aproximaram para ver o que trazia. Genilson viu a admiração dos meninos pelo seu novo brinquedo.
_Onde comprou este? É muito bonito, diferente, vamos apostar uma corrida?
O menino que agora era só felicidade, aceitou. Marcaram o chão com giz; pronto, você só pode ajudar com o pé até esta marca, daqui pra frente tem que ficar em cima do patinete. Ninguém chegou perto do Genilson. Sua máquina além de mais rápida fazia um barulho bonito. De repente todos queriam andar no brinquedo do menino. Davam os seus para ele. Um outro queria trocar o seu pelo dele.
E aí foi a vez de Genilson mostrar que assimilara a lição que recebera do pai. Disse:
_Não posso fazer isto. Sei que o seu brinquedo vale mais dinheiro que o meu; mas, há uma diferença: quem fez este aí pensava nas crianças. Mas não sabia qual. Este aqui é diferente, foi feito com muito amor para mim. Lembram do carrinho que eu trouxe depois do natal, e que riram muito dele? Também era um caminhão, e sua carga era amor. Amor por mim. E eu o destruí com uma pedra. Destruí o caminhão, mas a carga, eu consegui recuperar, pois o amor do meu pai é muito grande, não há pedra que possa destruir. Por isto, não posso trocar amor por brinquedo nenhum do mundo.
Os meninos ouviam Genilson com respeito, nunca mais riram dele, e o consideravam um líder.
Quando chegou à casa todos notaram a euforia do menino Este contou aos pais o que se passara. E, com muito orgulho contou ao pai como recusara trocar seu brinquedo por outro, e o que dissera aos meninos. Os olhos dos pais ficaram marejados de lágrimas. Seu filho aprendera a lição.
A vida continuava sem muitas mudanças. Chegava o dia da formatura do segundo grau de Genilson, este agora com 17 anos nunca rodara um ano sequer. Se ele não era nenhum destaque na escola, também não decepcionava os pais, principalmente porque gostava muito de estudar.
Um dia, D. Dalva entrou no quarto do filho a procura de algo, e encontrou uma caixa de papelão. Foi verificar o que tinha dentro, e para sua surpresa encontrou o carrinho todo amassado.
Quando o marido chegou, ela lhe contou o que encontrara no quarto do filho. Olegário não entendeu, e resolveu falar com o rapaz. Assim que este chegou em casa o pai o chamou para uma conversa.
_Filho, sua mãe hoje arrumando seu quarto, encontrou aquele brinquedo amassado dentro de uma caixa, porque guarda aquilo? Seu pai já lhe deu provas que não guardou nenhum tipo de rancor por ter feito aquilo, porque? Pode me explicar? Sabe muito bem que já esqueci este incidente.
_Sei pai, o senhor pode ter esquecido, pois não cometeu nenhum erro. Mas eu cometi, guardo aquilo para um dia, se necessário, mostrar aos meus filhos. Não quero que cometam a ingratidão que cometi com você. Quero que conheçam o poder do amor, mas que se não é compreendido, uma simples pedra pode esmagá-lo. Ou transformá-lo num sentimento ruim. Aprendi uma linda lição e não posso esquecê-la. Pois, se esquecemos os erros do passado estaremos fatalmente fadados a repetí-los.
Olegário abraçou o filho emocionado.
Tempos depois, quando Genilson se casava com uma moça muito bonita, amada por ele e por seus pais, o rapaz fez questão que o presente de casamento do pai fosse o carro amassado. Embrulhado com muita beleza e carinho. Agora seu Olegário entendia o valor que aquele brinquedo tinha para o seu filho.

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