sábado, 17 de janeiro de 2009






O JOGO DA VIDA
J. Norinaldo


Daniele nasceu em berço de ouro, filha de uma abastada e respeitada família do Rio Grande do Sul.
Seu pai, cujo nome era Paulo Márcio Zennder, empresário e fazendeiro, homem muito correto, principalmente no que concerne a família, sempre fora um exemplo, pois não bebia; fumava cachimbo, o que lhe dava um ar imponente. Casara-se cedo, com dezenove anos, com dona Alice, mulher bela, e também de ótima família. Tiveram quatro filhos que eram o maior orgulho dos pais: três meninos e uma menina. Esta era admirada desde muito cedo pela sua beleza.
Daniele herdara a beleza dos pais somada a de algum ancestral. Era loira e de lindos olhos verdes. Ela fora a mais mimada por todos, pois, além de caçula era a única filha do casal. Os pais, assim como todos os parentes tinham verdadeira adoração pela menina que crescia, e ficava cada vez mais bela, dona de um corpo escultural.
Esta bela moça tinha tudo que um ser humano precisa para ser feliz: uma linda família, dinheiro e muito amor. Mas, tudo isto não foi suficiente, pois quando completou catorze anos, seus familiares começaram a notar que algo não ia bem com ela. Daniele começou a demonstrar uma irritação constante; qualquer coisa era motivo para ela sair aos gritos.
Os pais conversavam muito com Daniele, mas não conseguiam atinar com a raiz do problema que afligia sua querida filhinha; decidiram levá-la a um analista. Foi aí que Daniele virou fera.
_Ah! Então pensam que sou louca? Não vou mesmo, nem pensar!
Foi então que perceberam que o problema era enorme, pois Daniele também estava mal nos estudos quando foram procurados pelos mestres da moça. Tomaram o maior
susto, inclusive com o número de faltas dela à escola.
Apavorado, Paulo procurou um psiquiatra, amigo seu, lhe relatando o que estava acontecendo com sua filha. Seu amigo baixou a cabeça após ouvir tudo, depois olhou para o amigo coçando o queixo, e disse:
_Deus queira que eu esteja errado, amigo! Mas, pelo que acaba de me dizer, só me leva a pensar numa coisa, e isto é tão grave e triste que jamais gostaria de ter que lhe dizer. Notou que Paulo ficara pálido.
_Como assim? Vamos, diga! Em que está pensando? Estou preparado para ouvir.
_Como disse antes, amigo, Deus queira que me engane, mas tudo leva a crer que seja droga.
Aquilo soou como uma sentença de morte aos ouvidos do homem Este agora muito mais pálido, gaguejou:
_Não pode ser, por Deus, não pode ser isto! Pode ser qualquer outra coisa, mas isto não! Ela nunca teve motivos para isto, você nos conhece muito bem, pode ser testemunha, não, não e não. Isto eu não aceito, e seus olhos já estavam cheios de lágrimas.
Dr. Martins também balançava a cabeça tristemente quando disse:
_Calma, amigo, não estou lhe dando certeza de nada, tenha calma!
_ E como vou tirar esta terrível dúvida do meu coração, agora que a plantou aqui? E bateu forte contra o peito.
_Amigo, descobrir é fácil, nisto eu posso ajudá-lo, porém descobrir nem sempre é a solução, mas conte comigo para o que for preciso. Sabe que pode contar comigo. Conversaram mais um bom tempo, mas quando Paulo saiu da casa do amigo não conseguia coordenar as idéias; sua cabeça era um verdadeiro turbilhão. Que faria? Conversaria com Dani, ou esperaria pra ter certeza, certeza essa que jamais queria ter?
Chegou em casa já era noite. Chovia. Sua filha não estava em casa. Dona Alice notou que seu marido não estava bem, e quis saber o que estava acontecendo. Foram para o quarto, e Paulo lhe reportou a conversa que tivera com o amigo. Dona Alice levando a mão à boca num gesto de desespero, começou a chorar dizendo:
_ Meu Deus! Não deixai que minhas suspeitas se confirmem. Lhe imploro, Meu Pai ! Não, minha filhinha, não! E se atirou sobre o marido aos prantos.
Também chorando, Paulo disse:
_Calma, querida! Ainda não temos certeza de nada. Deus é bom, não vai deixar que esta maldição entre em nossa casa. Porém, já não tinha mais tanta certeza.
Duas horas depois chegava Daniele. Quando a porta se abriu e o pai viu a filha entrar, seu coração disparou como se tivesse tomado o maior susto; ela se vestia de preto, se vestia mal, ele nunca notara, sempre achara que aquilo era a moda dos jovens. Agora via que não, sua filha parecia um lixo.
Ela entrou, cumprimentou os pais com um oi, e subiu correndo para o seu quarto. Se no meio da escada tivesse olhado para trás, teria visto seu pai levar as mãos à cabeça e uma pequena poça se formar no tapete, nunca se vira aquele homem chorando daquela maneira.
Não foi preciso muito esforço para se ter a pior das notícias até então na vida daquela família acostumada a felicidade. Um dia, Daniele não estando em casa, dona Alice foi ao seu quarto, e no armário do banheiro encontrou um pequeno pacote. Ainda pensou em colocá-lo no vaso e dar descarga, não queria ver aquilo, mas abriu e constatou um pó branco. Terrível descoberta, suas pernas se dobraram, e ela caiu de joelhos começando a bater com a cabeça no assoalho .Depois de um certo tempo ligou para o marido e este veio correndo quando ela então lhe mostrou a triste descoberta. Aquele homem que sempre fora considerado como uma forte pilastra do mais puro mármore desabou, parecia muito mais velho; os dois abraçados chorando como crianças chamaram a atenção dos criados que apavorados ligaram para os filhos. Estes vieram imediatamente, e não entendiam aquela cena, principalmente porque perguntavam e ninguém lhes dava uma resposta. Quando por fim tiveram a resposta quase caíram todos ao chão.
_Não é possível diziam quase num triste coro. Temos que agir imediatamente. Talvez esteja só começando, vamos ser práticos, chorar não vai levar a nada_ disse o mais velho, que como o pai também se chamava Paulo.
Nesta noite, Daniele teve sua primeira conversa com a família a respeito de drogas. Foi uma conferência muito triste. Ela jurou que experimentara há pouco tempo, que não era viciada, prometeu não voltar a usar vendo todos ali chorando, pareceu se compadecer da dor da família que amava e muito.
Rafael, seu irmão mais jovem, não se convenceu muito, e resolveu investigar a vida da irmã. Descobriu que ela já estava na vida há muito tempo e suas amizades eram péssimas, quase ninguém do círculo de amizade da família, coisa que também ninguém nunca notara.
Depois dessa descoberta a vida da família virou um verdadeiro inferno. A moça se vendo constrangida, sabendo que já não acreditavam nela, tornou-se mais revoltada e pouco aparecia em casa. Os pais começaram a sentir o chão lhe fugir dos pés quando tiveram em sua porta, traficantes cobrando dívidas da filha.
O irmão mais velho, o único casado, tinha uma filhinha com quatro anos. A criança adorava Daniele, e começou a sentir a falta da moça que não a visitava mais. Daniele já não era tão bela, tinha enormes olheiras roxas, cada vez mais se vestia pior. Sempre de negro.
Este sofrimento ainda duraria três anos; os pais da moça pareciam muito mais velhos agora, seus irmãos eram pessoas tristes.
Um belo dia, Daniele andava pelas ruas sem rumo, quando notou um homem muito velho que cuidava de uma plantação de morangos. Tinha uma parte do rosto tapado com uma espécie de máscara, ela parou ,e ficou olhando para o homem. Este assim que a viu lhe dirigiu um sorriso, em sua face aparecia apenas um olho e ela fez uma careta. O que teria acontecido àquele homem que escondia a metade do rosto?_ pensou.
_Olá mocinha, gosta de morangos? São os melhores, sem veneno, uma doçura, venha! Vou colher alguns para você! Mas a moça não tirava os olhos do rosto do homem.
_Que houve com o seu rosto_ perguntou ela.
Mais um sorriso, agora triste, o homem levou a mão ao tampão e disse:
_Filha, isto é um câncer que está me levando aos poucos, não reclamo, já vivi muito, mas me dói muito, principalmente porque nunca tive vícios. Falava com certa dificuldade, se encostara ao cabo da velha enxada e olhava com carinho para ela. Tenho oitenta e sete anos, filha, já vivi o bastante.
_Mas, se sabe que está morrendo porque continua trabalhando? Não vale a pena, porque não vai descansar?
_Para mostrar a Deus que dou muito valor à vida que ele me deu. Quero usufruir dela até quando não der mais, filha. É assim que demonstramos nosso agradecimento a Ele pela dádiva da vida. Continuo trabalhando porque sei que garotas bonitas e saudáveis como você comerão os morangos que eu plantei e se lembrarão de mim com carinho, entende?
Pela primeira vez uma conversa calou fundo na mente daquela moça. Ela não segurou as lágrimas e disse:
_Eu não sou saudável, nem bonita. Eu uso drogas! Estou matando minha família, pois eu já estou morta. Ajude-me, pelo amor de Deus! O senhor pode e sabe como. O senhor, um homem velho e com câncer, sabe que não demorará a morrer está aí a cuidar dos seus morangos, enquanto eu que tive tudo que alguém sonha ter, destruí a minha vida. Deixe que eu morra em seu lugar, fique aqui e cuidando dos seus morangos. O senhor merece mais do eu.
O homem a olhou com muita tristeza e abriu os magros braços para recebê-la. Daniele dera muita sorte em passar por ali. Gedeão levou a moça pra dentro de sua humilde casa e ali conversaram durante muito tempo. Ele preparou uma refeição muito simples, arroz feijão e ovos fritos, ela que quase nunca sentia fome, comeu com o prato no colo enquanto ouvia as palavras de Gedeão.
E o tempo foi passando. Como já era noite, o velho preparou uma cama muito simples, porém tudo muito limpo. E a moça deitou-se. Fazia horas que não se drogava, não conseguiria dormir, pensou, mas não queria decepcionar aquele bom homem.
Deitou-se e ouviu o velho lhe dizer:
_Durma com Deus, minha filha! Amanhã conversaremos mais.
Daniele ao contrário do que previa dormiu logo, um sono pesado, o velho ficou ali do seu lado, só tempos depois dormiu pensando na bela jovem.
Daniele teve um sonho, ou delírio, que mudaria totalmente a sua vida.
De repente estava ela em uma espécie de programa de televisão, só que bem diferente: havia duas platéias, uma de pessoas bonitas, jovens e adultos bem vestidos, pele linda. Do outro lado gente jovem e feia, com horríveis olheiras, todos vestidos de preto, alguns sujos e rasgados.
De repente apareceu o apresentador.
_Senhoras e senhores, vai começar o jogo. Hoje temos aqui, Daniele Zennder, que irá defender sua família do forno. Se conseguir responder certo às perguntas formuladas eles estarão salvos, caso contrário, irão para ... E a platéia de negro gritava:
_Fogo! Fogo! Daniele não entendia nada. Repentinamente, apareceu diante dos seus olhos um enorme painel luminoso cheio de números.
Do outro lado uma estranha plataforma, estreita e logo abaixo, um caldeirão enorme com lavas incandescentes, ela sentiu o calor. Olhou mais uma vez para o painel, o que significava tudo aquilo? Quando olhou novamente para a plataforma, viu todos os seus parentes, dentro de gaiolas. Todos enfileirados à beira do caldeirão. Um calafrio lhe percorreu todo o corpo. Pela primeira vez lembrou-se de Deus.
Tomou um susto quando ouviu a possante voz do apresentador do estranho programa:
_Vamos começar, você sabe como funciona, terá que ir eliminando os números da morte do painel, cada número eliminado corretamente, um deles sairá dali, cada número errado e a gaiola é empurrada para o fogo.
Daniele ainda quis contestar, não quisera participar daquele programa, quem colocara seu nome nele? Não teve tempo, pois ouviu:
_Primeiro número eliminado, a luz ficará verde, assim que mudar para vermelho você deve dizer o número bem alto. Há tempo, porém caso não faça isto, assim que a luz apagar, a pessoa correspondente ao número, desce.
E a platéia de negro vibrou.
Daniele suava muito, não tinha nem idéia de que número eliminar, não entendia nada, estava perplexa diante daquela situação. Seu coração parecia querer sair do peito, de tanto
remorso por não saber como livrar sua família daquela situação terrível. Olhou para as gaiolas e percebeu pelos rostos de todos, aflição, mas também notava um pouco de esperança. Viu sua sobrinha que inocentemente brincava e sorria para ela. Daniele se conscientizou que não havia alternativa: tentaria salvar sua família, nem que para isto tivesse que morrer.
_ Pronto, luz verde!_disse o homem.
A moça por mais que se esforçasse não sabia o que fazer, que números dizer, não tinha nem idéia. Pediu ajuda de Deus. Foi então que viu na platéia alguém que encheu seu coração de esperanças. Era Gedeão, bem vestido, muito sorridente, lhe fazendo com o dedo o sinal de positivo; então, ele tinha esperanças nela, sentiu-se alegre de repente, depois ele lhe fez outro sinal apontando para a platéia de olheiras e mal vestida.
_Meu Deus, entendi, e gritou: número quatro.
_Tem certeza ? _ perguntou o apresentador.
_ Sim, tenho.
E fez-se um pesado silêncio.
O número quatro foi apagado do painel. Todos se voltaram para a plataforma e a criança já não estava mais lá; toda família vibrava dentro das gaiolas, mesmo não sabendo de sua sorte. A platéia feia vaiou e Dani teve certeza que estava no caminho certo.
_ Obrigada, Meu Deus! Mesmo não merecendo, não me abandonou.
A luz verde apareceu.
_Próximo número! _ gritou o homem.
Assim que a luz vermelha apareceu, ela gritou :
_ Número 17!
_ Tem certeza? Posso mandar apagar?
_ Sim, tenho fé em Deus.
O número foi apagado e a mãe de Dani sumiu da plataforma.
Agora ela sabia que salvaria todos.
Olhou novamente para agradecer a Gedeão. Ele lhe deu mais um sorriso e o sinal de positivo.
Os números foram sendo eliminados um a um: 17, 14 , 7, 1 e, por fim, o número 18.
Todos certos. Os parentes de Dani estavam livres. Ela conseguira. Graças a Deus e ao amigo Gedeão.
O apresentador fez mais uma pergunta:
_Vai parar agora? Dani olhou novamente para o amigo e este lhe fez o sinal de sim. Ela sorriu e disse bem alto:
_Vou parar.
_Tem certeza disso? Pois devo avisá- la que até hoje ninguém passou pela segunda chance, você tem que ter certeza que quer parar.
_ Tenho certeza que vou parar, juro por Deus!– disse ela feliz.
_ Consegui, graças a Deus. Obrigada, Senhor!
Pulou da cama, e viu o velho que a olhava assustado com seu único olho. Ela correu para ele abraçando-o carinhosamente.
_ Obrigada, Gedeão! Você ajudou-me a me salvar e a salvar minha família. E se lembrou perfeitamente dos números que eliminara. Pensaram muito e procuraram no alfabeto.
Descobriram o que significavam. Para Dani não precisava mais nada. Só Deus poderia ter lhe dado aquela chance, não a desperdiçaria. Como avisara o apresentador do programa, a segunda chance poderia não existir.
E contou o seu sonho para o velho. Quando terminou amanhecia um lindo dia. Dani se espantou, pois há muito não via beleza em nada. Tomou café com o velho e se despediu prometendo voltar em breve.
Procurou seus pais, que diferentemente das outras vezes quando a filha aparecia só lhes causava tristeza, dessa vez notaram algo diferente. Depois que a moça lhes contou tudo foi a maior felicidade do mundo para todos.
No outro dia foram à casa de Gedeão. A moça com muita tristeza lembrou que ele não estava no jogo, portanto não poderia salvá- lo. Gedeão morreu 11 meses depois, feliz porque levava consigo a certeza que tivera participação muito direta na salvação daquela moça. E que jamais o esqueceriam e seus morangos. E assim foi, pois Daniele nunca mais usou drogas.
E, em um pequeno sítio da periferia da cidade levava muitas mudas de morango que cuidava pessoalmente. Para ali eram encaminhadas jovens que queriam se livrar do vício
terrível. Ouviam a história do velho Gedeão e da moça e ficavam muito emocionados.

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