sexta-feira, 16 de janeiro de 2009



VULCANO
J. Norinaldo.


Encontrava-me numa estrada desconhecida.
Minhas botas afundavam na lama… o único som audível eram meus passos.
Sentia frio nos pés, apesar das pesadas roupas que usava. O frio parecia penetrar-me até os ossos… Mas prosseguia!
Não sabia onde estava, só sabia que devia continuar andando, não tinha idéia de onde vinha e nem para onde ia.
Na verdade não sabia nem quem era…
À direita havia um rio, não muito largo. Uma densa camada de névoa cobria-o, dando-lhe um ar fantasmagórico.
À esquerda, um verdadeiro paredão de pedras muito húmidas e cobertas de limo. Continuei caminhando.
Em dado momento, a manta que trazia ao pescoço, caiu para frente, peguei numa ponta e a joguei para trás, de modo a que me protegesse do frio intenso que fazia.
Era uma espécie de cachecol muito grosso, feito com lã crua.
Prossegui meu caminho, já não me desviava sequer das poças de lama, era totalmente impossível fazê-lo… sentia os pés gelarem.
Avistei primeiro uma ponte, com dois arcos, que me pareceram à distância serem de pedra, pensei que a cidade não estaria longe. E não estava realmente.
Em pouco tempo, encontrei uma curva na estrada e entrei na aldeia. Já era noite fechada, assim, perambulei por ruas estreitas e escuras, ali não havia lama, as ruas eram calçadas de pedras, como de pedra também eram as construções.
Vi luzes e ouvi muitas vozes em uma espécie de taberna e para lá me dirigi. Entrei e qual não foi minha surpresa quando todos que ali estavam se viraram à minha entrada.
Alguém, um homem muito alto e forte, que usava um estranho chapéu, dirigiu-se a mim, gritando: - Mas vejam só quem está de volta!!
O seu sotaque, assim como sua voz lembravam o ator Paulo Goulart, quando interpreta italianos nas novelas, até o jeito de falar era igual. O nosso Giuseppe tinha voz de tenor.
Veio até mim de braços abertos, foi um longo e emocionado abraço, pelo menos da parte dele…. Eu nada entendia.
Sem dizer uma palavra, assustado e totalmente perdido, pois como disse antes não sabia que lugar era aquele, e nem mesmo quem eu era, vi todos se aproximarem e tentarem me abraçar ao mesmo tempo, enquanto uma alegria que me parecia sincera brotava daqueles olhares.
Atônito eu nada dizia, foi quando o mesmo homem que começara a falar, disse com sua voz de trovão:
-Gente, o que estamos esperando? alguém vá correndo buscar o Victorio agora mesmo! E você homem! - disse virando-se para o taberneiro- Sirva imediatamente vinho ao nosso Giuseppe, pois com o frio que faz lá fora deve estar enregelado.
O homem, este gordo e muito vermelho, apressou-se em cumprir a ordem. Logo me era entregue uma enorme caneca de barro cheia de vinho, serviu a todos e fizemos um brinde, eu sequei a minha caneca e todos fizeram o mesmo.
O vinho era muito bom, senti um calor reconfortante, o frio desaparecera como por encanto.
Pela forma como me tratavam, eu era aparentemente, uma figura muito querida e respeitada por todos.
De repente o mesmo homem que me recepcionara com tanto calor disse: - Paola já sabe da tua volta? Dirigia-se a mim.
Neguei, balançando a cabeça, o que queria dizer mesmo é que não sabia quem era Paola.
-Porca miséria!! - disse parecendo bravo agora. - Você vá correndo avisá-la, traga-a para cá, para também comemorar sua chegada. Vamos homem o que está esperando?
Mais uma caneca de vinho veio parar em minhas mãos, não me fiz de rogado e a emborquei novamente. Tudo aquilo era muito confuso para mim, mas agora depois do vinho eu já não sentia mais medo. Afinal era bem tratado, isto já era algo muito bom. Mas quem seria Paola?
Outros homens entravam na taberna, agora um trazia uma estranha acordeona, estranha pelo menos para mim, era muito pequena, ele usava uma boina também bastante estranha. Era Victório.
Assim que entrou, veio diretamente para mim de braços abertos. Agora eu sabia que estava na Itália. Em seguida começou a tocar seu instrumento, a alegria era contagiante.
Não demorou muito e adentrou a taberna uma bela mulher, mesmo vestida com pesadas roupas de lã, notava-se a beleza do seu corpo. Trazia duas meninas pelas mãos. Assim que me viu, correu e se atirou em meus braços, não tive tempo de perguntar nada, abracei a mulher carinhosamente, não conseguia atinar com nada do que estava me acontecendo.
Depois de um longo e apertado abraço ela disse: - Beijem o papai filhinhas. Ele voltou, Graças a Deus!
Após abraçar e beijar as meninas que também eram lindas ouvi da mulher: - Querido. Vulcano não morreu. Apareceu em casa dois depois, louco de fome. Está lá fora. Vá vê-lo.
Saí, como um verdadeiro robô, para ver Vulcano. Quem seria Vulcano? Ao chegar a porta, um enorme cão negro pulou sobre mim, me lambendo e fazendo uma grande festa.
Aí lembrei de tudo: Me atirara no rio para salvar o meu cão numa noite de tempestade. Lembrei-me das meninas, Carmela e Giovana, minha mulher Paola e aquele homem com voz de tenor era meu sogro. Meu Deus então não morrera!!!
Voltamos ao salão e pedi outra caneca de vinho, agora estava feliz, queria falar, mas ninguém me ouvia, falavam todos ao mesmo tempo gesticulando muito. Peguei a caneca e virei de uma só vez. Quando olhei para as pessoas, comecei ver tudo girando, suas vozes pareciam uma radiola que perde a rotação, de repente vi aquelas pessoas se movendo em câmara lenta, e depois parecia que se desmanchavam.
Fiquei apavorado, pensei que fosse o efeito do vinho em demasia. Fechei os olhos na esperança que aquilo passasse logo. Fiz um tremendo esforço e novamente abri os olhos, foi aí que vi tudo claramente: Eu estava numa cama de hospital, ouvi uma voz feminina dizer: - Doutor!! Doutor!! Ele está voltando, veja!!! Abriu os olhos!
Vi um médico jovem ao meu lado, falavam a minha língua, ouvi-o dizer: - Graças a Deus voltou, chamem o doutor Martins.
Horas depois recebia a visita da minha esposa. Feliz, sorridente, linda.
Como lhe falar de Paola, Carmela e Giovana?? Eu saíra do coma provocado por um desastre de automóvel. Mas o que significava tudo aquilo?
Tempos depois, com o auxilio de um grande artista, que desenhou a aldeia, as roupas que descrevi, o recipiente de vinho e até o instrumento do Victorio, um grande pesquisador italiano me dizia:
- Pelo que temos, Giuseppe viveu no norte da Itália entre 1340 e 1370. Tentou salvar seu cão, este voltou são e salvo, mas nosso herói veio parar no Brasil quase oitocentos anos depois….

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